sexta-feira

GARANTIR A NOSSA SEGURANÇA - por António Vitorino -

António Vitorino
jurista

O recente atentado terrorista da ETA no País Basco colocou em cima da mesa a chamada "conexão portuguesa".

Antes do mais, convém analisar a questão sem a fazer refém das tradicionais sensibilidades entre os dois países ibéricos. As duas democracias ibéricas condenam igualmente o terrorismo, encaram o terrorismo da ETA como um atentado aos mais elementares direitos humanos e à essência do Estado de direito democrático. Como por diversas vezes foi afirmado, sobretudo nos últimos anos, um atentado terrorista em Espanha é uma ameaça á estabilidade e à segurança de todos os países da União Europeia.

O terrorismo de base regional, como é o caso da ETA, actua preferencialmente no País Basco espanhol e visa alvos no país vizinho. Mas desde sempre a ETA careceu de bases de apoio logístico e até de alguns "santuários de refúgio" fora de Espanha. Durante muitos anos, a sustentação logística foi assegurada a partir do País Basco francês e os "santuários" foram na América Latina e num ou noutro país europeu, designadamente a Bélgica.

Com o apertar do cerco proporcionado pelo reforço da cooperação policial e judiciária europeia, a base logística e de refúgio dos terroristas bascos teve que se diversificar, buscando novos pontos de apoio e optando por uma mobilidade acrescida.

Isto mesmo assinalava um relatório da Agência Europeia de Polícia, a Europol, de 2003, chamando a atenção para a probabilidade de acções de pura logística ou de recobro de operacionais da ETA poderem vir a desenvolver-se noutros países europeus.

O envolvimento de duas viaturas obtidas em Portugal em duas acções da ETA, uma abortada em Ayamonte e outra relacionada com o atentado levado a cabo na semana passada no próprio País Basco, estão em linha com esta evolução previsível.

A atenção centrou-se então em saber se haveria uma "célula da ETA" em Portugal, tendo aflorado na comunicação social algumas opiniões dissonantes entre responsáveis policiais portugueses e espanhóis, a qual, expressa em público, não é positiva nem desejável.

Desde logo, porque o perfil de actuação dos terroristas da ETA não faz de Portugal um alvo de acções violentas. Mesmo que hoje a organização terrorista seja controlada por uma nova direcção, mais jovem, inexperiente e radical, não parece que tal corresponda a uma alteração na definição dos alvos.

Em segundo lugar, não é de hoje que Portugal está na rota de recobro de alguns operacionais da ETA. Ora uma das regras do recobro é a descrição, o que passa por não causar problemas nos países em causa. A melhoria das trocas de informações entre as policias ibéricas permitirá quando muito que as autoridades portuguesas fiquem a saber tanto quanto normalmente já sabem as espanholas, mesmo sobre movimentações no território português. O que constitui uma medida sensata, atendendo à abolição dos controlos fronteiriços internos no espaço Shengen.

A questão mais delicada tem a ver com o apoio logístico. Num espaço comum sem fronteiras internas, as acções preparatórias de actos terroristas levadas a cabo num país com o objectivo de atingir alvos noutro país constitui uma ameaça à segurança interna de todo esse espaço comum. Logo não podemos enjeitar as nossas próprias responsabilidades de tudo fazermos em Portugal para prevenirmos acções terroristas que possam ocorrer noutro país europeu, sejam elas de matriz fundamentalista islâmica sejam elas da ETA.

Neste plano, a troca de informações é essencial. Porque alguns actos preparatórios podem não revestir qualquer ilegalidade à luz da lei portuguesa, mas a sua ilicitude resultar dos fins últimos da cadeia de actuação em que se inserem. É o caso do aluguer de viaturas, como o serão as comunicações destinadas a preparar actos terroristas em Espanha. Pelo que haverá que incorporar esta dimensão na nossa própria acção policial, o que depende da matéria de base que seja fornecida pelas autoridades espanholas.

Especialmente delicado e relevante é o controlo de explosivos no espaço nacional, elemento incontornável da cadeia logística de preparação de atentados terroristas.

Usar o instrumento das equipas de investigação conjuntas criado no âmbito da União Europeia há quatro anos, à semelhança do que se passa entre a Espanha e a França, pode representar uma mais-valia para a nossa própria segurança interna.

Obs: António Vitorino reflecte sobre um dos temas que lhe é caro: a segurança estratégica. Duvulgue-se junto do maior número por ser assunto de interesse comum.