A felicidade e o PIB - por Francisco Sarsfield Cabral -
in Público, 2 de Julho de 2007
A felicidade e o PIB
Uma das razões da eficácia da economia americana está na facilidade com que as pessoas ali mudam de emprego e de local onde vivem. Não só os despedimentos são fáceis e expeditos nos EUA, como os americanos mudam frequentemente de cidade e de Estado, procurando um novo emprego.
Em Portugal a situação é a oposta. O despedimento individual é difícil. E o que se passa na habitação quase impossibilita que alguém aceite um emprego noutra cidade, pois teria de abandonar a casa onde vive. A inexistência de um mercado de aluguer (o novo regime, como se previa, não relançou o arrendamento) mantém no mundo do trabalho um enorme factor de rigidez.
Dito isto, será que a flexibilidade americana só tem vantagens? Económicas, tem muitas. Mas implica custos sociais e psicológicos consideráveis, embora pouco considerados.
A frequente mudança de terra, por causa do emprego, acarreta uma instabilidade que não é boa para as famílias americanas. Em particular, as sucessivas mudanças de residência, de escola, de amigos, etc., não contribuem para o bem-estar das crianças e dos adolescentes. E a constante ameaça de perder o emprego é motivo de angústia, por muito fácil que seja, e é, arranjar trabalho na América. Só que nem sempre, ou raramente, com o mesmo nível de salário. Por outras palavras, o crescimento económico, só por si, não traz a felicidade. Decerto que o subdesenvolvimento ainda menos. Mas não é razoável valorizar apenas as vantagens económicas sem ponderar custos de outra ordem. Assim, não é forçosamente irracional que os europeus prefiram trabalhar menos tempo do que os americanos. O que, aliás, só acontece desde há trinta anos: em 1970 os europeus trabalhavam mais horas por ano do que os americanos. Hoje, um trabalhador francês produz mais, por hora e em média, do que um americano; só que trabalha quase 20 % menos horas. O novo poder político em França vai facilitar, por via fiscal, a possibilidade de, quem quiser, trabalhar mais horas. É positivo, pois aumenta a liberdade de escolha das pessoas. Pelo contrário, uma legislação laboral muito restritiva, como a portuguesa, reduz as opções dos trabalhadores e prejudica os desempregados. O fundamentalismo liberal é inaceitável, ao ignorar dimensões essenciais da pessoa. Mas o seu contrário não é mais razoável, pois finge não ver a realidade do mundo de concorrência global em que vivemos. Defender postos de trabalho sem viabilidade económica com restrições legais ao despedimento é um engano. Como é opor-se sistematicamente à precariedade de alguns vínculos laborais, quando tudo aponta nesse sentido para o futuro (mudança frequente de emprego e até de profissão, teletrabalho, horários flexíveis, etc.).
Por isso os que se opõem à flexibilização do mercado de trabalho travam batalhas meramente defensivas, conseguindo, na melhor das hipóteses, recuar devagar. Mas com a comunidade em geral e os desempregados em particular a pagarem a factura do atraso. Quando da revolução industrial e dos dramas sociais que ela trouxe, há dois séculos, muitos queriam regressar à velha sociedade rural. Mas era impossível, como agora é ficar fora da competição mundial. O Estado providência foi a solução encontrada para enfrentar as injustiças da era industrial. Hoje, temos de inventar novas formas de protecção social, compatíveis com a flexibilidade e a precariedade impostas pelas novas tecnologias, pela globalização e pela diferente organização do trabalho que delas decorre. É a maneira de tentar reduzir os custos humanos do progresso económico, agora. A célebre flexi-segurança é um passo no sentido certo, por muito que o sistema que vigora (com êxito) na Dinamarca e na Holanda não seja imediatamente transponível para Portugal. Importa pensar em adaptações ao caso português e até em novas ideias na mesma linha - e não em simplesmente denegrir a flexi-segurança como mais uma cabala capitalista para despedir à vontade. Seria iludirmo-nos a nós próprios pensar que poderemos continuar, por muito mais tempo, a ser o país entre os 30 membros da OCDE onde é mais difícil o despedimento individual. Não obstante a retórica passadista do PS quando estava na oposição, o Governo já o percebeu. A realidade tem muita força, mesmo quando não gostamos dela. Francisco Sarsfield Cabral Jornalista
Obs: Publique-se pelo interesse geral que tem, e envie-se cópia para as três instituições: o governo, os sindicatos e os empresários. Ler duas vezes pfv.
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