quinta-feira

Efeitos perversos - por Francisco Sarsfield Cabral -

in Visão
Efeitos perversos
Como referiu a Visão da semana passada, logo no início da Presidência portuguesa da UE foi assinado o pacote financeiro com os apoios de Bruxelas a Portugal até 2013. Apoios ainda substanciais, apenas diminuindo ligeiramente em relação aos recebidos nos seis anos anteriores.
Numa União Europeia alargada a 27 Estados membros, é inevitável que os fundos de Bruxelas destinados a Portugal tendam a baixar. Até porque ainda podem entrar na UE novos países, mais pobres do que nós. Mas não há aí qualquer drama.
Muitos portugueses têm visto na UE sobretudo uma fonte de dinheiro fácil. Ora dessa atitude decorreram alguns efeitos perversos. É duvidoso que a maior parte do dinheiro que Portugal recebe da UE ainda seja benéfica para o nosso desenvolvimento. Aliás, não é por falta de fundos comunitários que nos afastamos das médias europeias desde 2000.
Decerto que o primeiro pacote, a partir de 1988, veio ajudar a preencher lacunas graves em infraestruturas, sobretudo na rede de auto-estradas, até essa altura mínima. Ao invés, na formação profissional registaram-se demasiados desperdícios e fraudes.
A partir do momento, porém, em que os investimentos a financiar com ajudas comunitárias se tornaram menos óbvios, a utilidade dos fundos tornou-se mais problemática. Portugal chegou a receber de Bruxelas o equivalente a 4 % do PIB, considerado o limite a partir do qual uma economia não consegue absorver eficazmente as ajudas. O problema é que entretanto se generalizou uma mentalidade de aproveitar o dinheiro disponibilizado pela UE sem atender prioritariamente à qualidade dos projectos.
Muita coisa se fez apenas, ou sobretudo, porque havia dinheiro fácil à mão. O que coloca interrogações sobre a viabilidade, a prazo, dos empreendimentos assim financiados.
Por outro lado, se uma empresa ou uma instituição está em dificuldades e recebe um apoio financeiro, há o risco de esse balão de oxigénio adiar mudanças indispensáveis à sua sobrevivência económica. Ou seja, o acesso a fundos pode não ser uma benção, antes uma maldição.
O Governo deu-se conta destes perigos. As ajudas que aí vêm serão mais concentradas e mais selectivas do que até aqui. A grande preocupação na distribuição dos fundos comunitários é, agora, a viabilidade económica dos projectos. “Não é à custa de dinheiro fácil que se faz a economia”, disse, e bem, o ministro do Ambiente ao Diário Económico do passado dia 2.
Mas uma coisa são as boas intenções, outra a prática efectiva. Quando há dinheiro disponível é muito difícil resistir à tentação de o aplicar sem grandes exigências de rigor. Por isso não encaro com preocupação a perspectiva de, a médio prazo, Portugal vir a receber sensivelmente menos fundos comunitários. Não é com eles que se estimula o espírito empresarial e o gosto de correr riscos.
Nas últimas décadas Portugal investiu proporcionalmente mais do que a maioria dos nossos parceiros europeus. Nem por isso os resultados foram brilhantes: somos o país que menos cresce entre os 27 Estados membros da UE. Isto acontece porque faltou qualidade ao investimento em Portugal. A questão não está na quantidade, facilitada pelos fundos de Bruxelas. Como sempre, o dinheiro não é o essencial para o progresso económico.
Francisco Sarsfield Cabral
Obs: Divulgue-se.