sexta-feira

ACASOS - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso, a foto também, mas podemos cedê-la amavelmente ao DN que, por vezes, se esquece de a inscrever na narrativa.
ACASOS (link) António Vitorino
jurista
"Alguns autores têm estudado o efeito do acaso na política. No essencial, preocupam-se em identificar aqueles factos imprevisíveis e aparentemente fortuitos que acabam por inflectir o curso dos acontecimentos de forma decisiva e determinante.
Vários estudos foram publicados a propósito do impacto político e económico dos ataques terroristas do 11 de Setembro nos Estados Unidos da América. Claro que, desde logo, os autores divergem quanto a considerarem tais atentados como realmente fortuitos. Independentemente das causas, o que é incontroverso é que, ao ocorrerem, pelo seu impacto e projecção, os atentados de Nova Iorque e de Washington introduziram inflexões significativas no panorama político mundial.
Nos EUA, se alguém tivesse querido antecipar o que seria a política externa do então recentemente eleito Presidente Bush, teria apostado mais do lado do fechamento do que propriamente numa vertente intervencionista à escala global. É certo que eram já então conhecidas as teses dos chamados neoconservadores, temidos do ponto de vista ideológico mas, à partida, tidos como não determinantes na configuração da política externa dos republicanos. O peso decisivo que haveriam de ter durante o primeiro mandato de Bush (e que culminou com a intervenção no Iraque) foi claramente alavancado pelo efeito dos próprios atentados. Na política interna a disputada eleição contra Al Gore não teve nos temas da segurança um dos pontos de clivagem que motivaram o voto dos eleitores americanos. E mesmo no domínio da cooperação internacional na luta contra o branqueamento de capitais e na pressão internacional sobre os centros off-shore, a administração Bush anunciava, no Verão de 2001, uma ruptura com a prática da administração Clinton, prenunciando uma retirada da linha da frente das acções então em curso quer no âmbito do G8 quer da Task Force de Acção Financeira da OCDE... Quando se apurou que os atentados haviam beneficiado de financiamentos canalizados por instituições e até empresas legais, os EUA retomaram rapidamente a agenda Clinton sobre branqueamento e até impulsionaram algumas iniciativas de controlo de mais vasto alcance.
Servem estes exemplos para sublinhar que, por vezes, um acontecimento pontual pode desviar o curso normal dos acontecimentos de modo imprevisível e profundo. Salvaguardadas as devidas distâncias e proporções, pergunto-me quantos analistas e comentadores haviam previsto que, entre nós, a meio da legislatura, o actual Governo poderia enfrentar numa posição tão confortável o debate do estado da Nação com que encerraram os trabalhos parlamentares na semana passada...
É evidente que os sinais vindos do lado da economia e a revisão em alta das previsões internacionais sobre o crescimento económico, a continuidade do aumento das exportações e a quebra ligeira do desemprego são encorajadores para quem governa e de algum modo incentiva a prosseguir no rumo reformista traçado. E essa foi a tónica essencial do discurso do primeiro-ministro. Contudo, no plano político, o que decerto mais terá pesado na margem de manobra de que o Governo beneficiou no balanço do seu segundo ano de governação terá sido a crise em que mergulharam os partidos à sua direita na sequência das eleições intercalares para a Câmara de Lisboa. Com a singularidade de essas eleições terem ocorrido em virtude da crise da autarquia em larga medida provocada quer pelas desavenças entre PSD e CDS quer pela paralisia política da liderança camarária. Factos que levaram à decisão do líder do PSD de provocar o acto eleitoral intercalar. Estaremos assim perante mais um dos tais acontecimentos fortuitos que inflecte o curso dos acontecimentos globais do País? A resposta a esta questão chegará no Outono. E se nesses partidos tudo ficar como antes da crise, bem poderá dizer-se que o "efeito Lisboa" foi afinal um dos tais meros acasos fortuitos. Mas o seu verdadeiro alcance só se descobrirá lá para o final de 2009!"
Obs: O António Vitorino (AV) revela bem nesta reflexão - povoada com factos políticos domésticos e internacionais de grande relevância (e grau de condicionalidade na esfera da globalidade) e uma capacidade analítica de elevado quilate - aquilo que é: um brilhante intelectual e um excepcional analista dos fenómenos sociais com peso político. Além de político com dimensão de estadista - que nem sequer é preciso avultar nestas reflexões para que elas valham o que, de per se, valem.
E a 1ª coisa que me apraz comentar ao artigo de AV, sem ter a pretensão de escavacar a análise ou introduzir-lhe algo de novo, é a noção de que Deus não é uma noção lógico-experimental, i.é, ninguém pode observar Deus. Daí que quem quiser ser teólogo ou cientista, terá de afastar algumas noções tão básicas quanto clássicas - mas que acabam por ser a pedra de toque da Política de Aristóteles e de Nicolau Maquiavel - e que assentam na observação, na experiência e no raciocínio, e a partir daqui formar pensamentos por comparação, por analogia a fim de identificar a "agulha no palheiro" da nossa existência.
Ou seja, quem prenunciaria o 11 de Setembro? Eu digo: ninguém; Quem profetizaria um Santana Lopes no cadeirão de S. Bento? Eu digo: ninguém (excepto ele próprio, claro está.. que desde que nasceu não pensava noutra coisa); Quem adivinharia o Zé Barroso na Comissão Europeia a servir cafés ao eixo franco-alemão depois de ter traído os portugueses e de ter tido um passado maoista? Eu digo: ninguém; Quem pensaria que PPortas faria o que fez ao Ribeito e Castro? muita gente; Quem pensaria que Sócrates nos sairia melhor do que a encomenda? Ninguém.
Nem o prof. Marcelo que logo que Socas tomou posse e fez uma intervenção mediada pelo teleponto levou logo aquele professor-sabichão a dizer que o PM só sabia falar através de teleponto, hoje está arrependido do que disse e engole em seco, como o desgraçado do MMendes - que também ajuda a afundar - ao chamar-lhe mentiroso em directro na RTP a propósito da paternidade, pasme-se, dessa "importantíssima medida reformista" do PsD que foi meter os sócios a pagar as quotas individualmente...
Significa isto que os factos indicíveis abundam, e nem a melhor prospectiva ou planeamento estratégico permite "comprar o futuro" e antecipar o seu recheio, Seja na micro seja na macropolítica, muito menos no plano económico em que a conduta dos agentes ainda é mais volátil e errática - rebentando mais facilmente com todas as previsões.
António Vitorino designou esse fenómeno como Acasos, e são de facto. Lembro-me da criança que diz que por não saber que vai cair não colocou as mãos à frente, a fim de proteger a cara. Tal como um engenheiro de materiais - quando não se engana comporta-se de maneira lógica e as pontes não caem; também o economista - quando não se engana ou ilude acerca do seu saber, é capaz de prever bem a evolução das tendências dos indicadores de desenvolvimento humano. Mas quando chegamos ao agente político - que tem de lidar com tudo isso - a coisa fia mais fino, e é aí que os acasos espreitam, e porquê? Porque, justamente, o Político tem de confrontar-se com homens que geralmente não se comportam nem como engenheiros nem como especuladores avisados.
No fundo, e é assim que leio esta reflexão de AV, quando um engenheiro constrói uma ponte conhece o fim que deseja atingir. Ele estudou a resistência dos materiais, e tem quase a certeza de que essa ponte não cairá, logo há uma correspondência entre a relação meios-fim conforme ele a concebe no seu esprit e a relação meios-fim conforme se desenrola objectivamente na realidade.
De igual modo, o comportamento do especulador, protótipo do sujeito económico, oferece as mesmas características. Ele quer ganhar dinheiro e faz um investimento que lhe permite antever esse ganho de capital.
Contudo, isto não obsta a que as pontem continuem sempre de pé e as falências e ruínas não tenham lugar. Do mesmo modo, por extensão, como sublinha AV, ninguém predissera com rigor que os ataques ao World Trade Center teriam lugar a 11 de Setembro de 2001.
Em 1905 e depois em 1917 Lenine achava que os revolucionáros bolcheviques assaltariam o poder para libertar o povo, depois foi o que se viu, 80 anos de totalitarismo comunista que ainda hoje Jerónimo elogia, ante tanta pobreza e miséria dos povos do Centro e Leste europeu que cruzou o dramático séc. XX. E aqui, registe-se, o camarada Stalin mandou matar mais pessoas do que Hitler, é bom reter isto..., apesar de cada vida ser uma vida, um fenómeno irrepetível.
Aqui o povo pensou que entre o comportamento das elites (revolucionárias) e os resultados da revolução houvesse coerência, lógica. Mas não houve. O que houve foi uma discrepância entre a consecução objectiva e a consecução subjectiva - traduzida em miséria, mortes em massa e uma alienação terrível que, em boa media, cessou com a queda do Muro de Berlim em 1989 - e as revoluções de veludo que se lhe seguiram tão bem explicadas pelo historiador britânico Timothy Garton Ash.
Ou seja, a Política está repleta de acções não-lógicas, de caixas de pandora, isto porque os homens agem sempre por paixão ou por sentimento e são essas paixões e sentimentos que os fazem existir dessa maneira, mas também da maneira mais imprevisível, por vezes com efeitos dramáticos nos povos e nas sociedades.
Quem melhor estudou este comportamento não-lógico na cena política foi o engenheiro dos Caminhos-de-Ferro italiano (e também sociólogo) Vilfredo Pareto - que aqui intersecta a reflexão de António Vitorino, mas a verdade não é, nem sempre comporta uma utilidade social, por vezes desagrega-a, mormente no mundo político em que as diferenças avultam mais entre as promessas e as realizações, as intenções e os actos. Até porque os políticos invocam sempre a razão, o raciocínio, mas agem de forma irracional. E se calhar é por causa dessas pulsões que existe hoje o terrorismo em rede que conhecemos, os ciclos eleitorais são o que são, a economia nem sempre obedece à democracia, as elites nem sempre convergem com o pulsar das sociedades e, para agravar as coisas, a oposição em Portugal é como é: tem a cara e a assinatura de Mendes, Alberto jardim e PPortas - uma troika à africana.
Talvez por isso na reflexão abaixo sugerimos a intervenção dos bons ofícios do Pre. Vitor Milícias.
E mesmo que um sábio lunático um mês antes do 11 de Setembro ter ocorrido tivesse "botado a boca no trombone" no Washington Post ou no Finantial Times (admitindo que aí o deixariam escrever uma coluna, o que duvido) descrevendo o que iria seguir-se 30 dias depois - quem é que lhe daria ouvidos?!
Muito provavelmente, era marginalizado e posto sob vigia por uma célula da CIA. Este é também um problema dos homens que, por serem prescientes, têm sempre razão antes do tempo. Os mesmos homens que são marginalizados pela história, quando não são por ela queimados vivos.
Ai Galileu, Galilei...
PS: Depois de ler a reflexão de AV, já que é de acasos que se trata e de antecipar o futuro e de lhe conhecer alguns efeitos, não me surpreenderia que daqui por um ano visse o actual líder MMendes a chefiar a Torre de Controle do aeroporto da Portela (ou em Alcochete), assim poderia vigiar os passos do arqº Manuel Salgado e garantir, zelosamente, que ele não iria alí construir o seu Duplex; PPortas iria dar aulas para o terraço da Uni. Moderna após o seu encerramento, depois dum estágio em Georgetown recomendado pelo seu amiguinho da Defesa - pato Donald Rumsfeld; Anacleto Louçã regressaria a leccionar economia e a colar cartazes num registo de Pub. criativa e a fazer do aborto o desígnio nacional n.º 1; Jerónimo regressaria à Lisnave como torneiro-mecânico, nas horas vagas calaftaria o Yate do Patrick Monteiro de Barrros e navios de maior calado que transportam milho e carrinhas avariadas de marca Toyota para Angola, e o seu pupilo da bancada "para-lamentar" do PCP, Bernardino - continuaria a defender que a Coreia do Norte é um modelo de virtudes democráticas que o mundo deveria seguir, além de continuar a organizar vaias ao PM.
Eis o "Portugal-em-cuecas" - paroquial e saloio que, infelizmente, ainda vamos ter de lidar por muitos e bons decénios.