quinta-feira

Sinais de mudança - por Francisco Sarsfield Cabral -

Sinais de mudança (in Visão)
Sem o que se passa nas exportações, Portugal estaria provavelmente em recessão. O pouco que crescemos deve-se à venda de mercadorias e serviços a estrangeiros.
É bom que o dinamismo da nossa economia venha das exportações e do turismo. Não chega, claro. Embora pareça reanimar na área empresarial, falta-nos bom investimento, sem o qual não haverá futuro. E não seria saudável voltarmos à euforia consumista de há uns anos atrás, tanto nas famílias (que se endividaram) como no Estado, com a subida da despesa pública corrente (obrigando depois a uma dolorosa redução do défice orçamental).
O bom andamento das exportações, desde há um ano e meio, permite não só algum crescimento económico imediato, como algo mais importante: a esperança de estarmos, finalmente, a mudar o perfil estrutural da nossa produção. A globalização, em geral, e a entrada da China no mercado mundial, em particular, liquidaram a hipótese de Portugal ser competitivo em produtos tradicionais, com fraca qualificação da mão-de-obra (barata) e baixa intensidade tecnológica. Por isso, temos de concorrer, já não com base nos baixos salários, mas apostando na qualidade e num alto valor acrescentado.
Em 2004 e 2005 a nossa quota no mercado mundial caiu 8 %. Mas no ano passado parou a quebra da quota de mercado. Em 2006, por exemplo, recuperámos 10 % de quota no mercado alemão, onde nos três anos anteriores havíamos perdido nada menos de 40 %.
O dinamismo das exportações será apenas um êxito passageiro, devido a circunstâncias ocasionais? Em 2006 exportámos produtos petrolíferos para os Estados Unidos. Mas este ano essas exportações abrandaram, porque a crise da refinação americana começou a ser ultrapassada, diminuindo as necessidades de importação daquele país. E as altas taxas de crescimento nas exportações para Angola tendem a baixar, entrando na normalidade depois do salto resultante da paz naquela ex-colónia.
Apesar desses factores conjunturais, existem indícios de estar em curso uma mudança estrutural na economia portuguesa, designadamente no sector industrial e (menos) no turismo. É cedo para embandeirar em arco, mas não se trata, apenas, de um fogacho momentâneo.
Segundo dados do Banco de Portugal, há vinte anos dois terços do valor das nossas exportações eram bens tradicionais. Hoje, é apenas um terço. Ao invés, 16 % das exportações em 1986 eram máquinas e material de transporte. Agora são 34 %. Os produtos de média-alta tecnologia ganham peso nas exportações portuguesas.
Também no turismo Portugal perdeu quota de mercado nos anos recentes – mas em 2006 já recuperámos alguma coisa. Parece estarmos agora mais virados para o turismo de qualidade.
O mercado mundial de turismo está em forte crescimento, mas só lucraremos plenamente com essa evolução se formos competitivos. Tal implica qualidade e preços razoáveis. Só que a qualidade no turismo não depende apenas das empresas que actuam no sector. O caos urbanístico e a destruição da paisagem pela construção desenfreada liquidam o turismo de qualidade.
Uma coisa é certa e dela há que ter consciência: o nosso bem estar económico tem a ver com sermos mais ou menos competitivos no mercado global. Viveremos melhor na medida em que formos capazes de ter sucesso na concorrência mundial. O resto são fantasias.
Francisco Sarsfield Cabral
Obs: Divulgue-se pelos agentes políticos, empresariais e sociais - a bem da economia nacional e da alteração do seu perfil produtivo e competitivo.
É gratificante reconhecer que o realismo analítico do Francisco não dá espaço para "fantasias" paralisantes, é antes um mundo hiper-realista.