segunda-feira

O paradoxo das reformas impopulares - por Francisco Sarsfield Cabral -

(Público, segunda-feira 25 de Junho, Link, assin.) O paradoxo das reformas impopulares
Sem investimento nas empresas será difícil vencer a crise estrutural
Presidir à União Europeia exigirá um enorme esforço ao Governo. As anteriores presidências portuguesas foram fatais para os executivos que as conduziram, o de Cavaco Silva em 1992 e o de António Guterres em 2000. As tarefas europeias limitaram a atenção dos governantes ao país.
Ora o governo actual já entrou em perda de velocidade há meses. Deixou de marcar a agenda politica, o que até então fizera com eficácia. Deu sinais de descoordenação, cansaço e até desnorte. Passou a jogar à defesa, mas permitiu demasiados golos na sua baliza. E perdeu entretanto um titular indiscutível, António Costa.
Não foram só as “gaffes” dos ministros. Nem o nervosismo do primeiro-ministro quanto à sua licenciatura. Ou o excesso de zelo partidário da Directora Regional de Educação do Norte.
Mais importante, a reforma da Administração Pública atrasou-se. No quadro dito de mobilidade estão apenas 300 funcionários. Assim, a reforma não ganha significado útil.
A introdução de portagens nalgumas Scut (estradas sem custo para o utilizador) já não deverá acontecer este ano, contra o que foi anunciado. E, pior, o folhetim da Ota descambou em desastre politico. A ironia está em que a Ota, como o TGV (projecto financeiramente ainda mais controverso), surgiu para animar o investimento, criando confiança.
O tiro saiu pela culatra. Pouca confiança suscita um governo que só admite encarar alternativas à Ota se outros lhe apresentarem estudos nesse sentido. Como se a obrigação de quem gasta o nosso dinheiro não fosse mandar fazer os estudos necessários para fundamentar as decisões.
E poderá vir a confirmar-se que a paragem de seis meses para avaliar alternativas à Ota não passa de uma encenação. Para facilitar a corrida de António Costa à Câmara de Lisboa, dar uma satisfação pública ao Presidente Cavaco Silva e desfazer a má impressão criada na opinião pública pela teimosia governamental quanto à Ota. Veremos.
Entretanto, o investimento cai. Está em queda contínua - nove trimestres sucessivos. Claro que conta a contracção no investimento público, para travar o défice orçamental. E também a normal baixa no investimento em construção, onde antes se havia ido longe demais. O drama é a debilidade do investimento empresarial.
O retraimento dos empresários põe em dúvida a sustentabilidade de alguns indicadores positivos, como o bom comportamento das exportações ou a melhoria da produtividade no primeiro trimestre deste ano. Sem investimento nas empresas será difícil vencer a crise estrutural que nos lançou para o último lugar nas taxas de crescimento da UE.
Isto é, será difícil passar de uma economia cuja competitividade assentava na mão-de-obra barata para uma estrutura produtiva e exportadora capaz de gerar maior valor acrescentado e de concorrer com base na qualidade.
Este governo já conseguiu baixar o défice das contas do Estado. Mas até esse êxito ficará em causa se a redução do défice prosseguir mais pelo aumento da receita fiscal do que por cortes na despesa pública. Cortes que ficarão muito aquém do necessário caso a reforma da Administração não avance a sério.
Reforma digna desse nome aconteceu na Segurança Social. A ninguém agrada a perspectiva de vir a receber uma pensão inferior à esperada. Mas também ninguém parece disposto a pagar mais impostos para financiar uma previdência em crescente desequilíbrio financeiro, por causa do envelhecimento da população.
Os cortes nos benefícios sociais e na saúde, o desemprego, a queda dos salários reais – tudo isso alimenta um considerável capital de queixa na população. No entanto, o PS continua em boa posição nas sondagens.
Parte do “mistério” explica-se pela consciência generalizada de que o país está mal e de que algo, ainda que doloroso, tem de ser feito para sairmos do buraco. Sócrates surgiu com uma atitude reformista que não se via desde os primeiros tempos de Cavaco primeiro-ministro. Por isso, apesar do descontentamento, muitos portugueses acreditaram numa mudança.
Se, agora, por causa da presidência europeia ou por motivações eleitorais, o ânimo reformista desaparecer (ele já esmoreceu), Sócrates será severamente penalizado pela opinião pública. Ao invés, o melhor trunfo de que o primeiro-ministro poderá dispor nas eleições de 2009 será, até lá, insistir em reformas impopulares. Por muito paradoxal que pareça.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Após fazer um levantamento dos problemas e dificuldades que têm molestado este governo, não obstante os seus ainda índices de popularidade, o Francisco é impiedoso com o governo e explica por que razão a marcha das reformas deve continuar. No entanto, faz depender boa parte desse sucesso da forma como o governo conseguir repartir a sua atenção e eficiência entre a governação doméstica e o tremendo esforço exigido pela presidência portuguesa da UE - sempre muito absorvente, obrigando os governos a definhar.
Publique-se, pois, pelo realismo e oportunidade dos pontos de vista, sempre alicerçados nos factos que já se tinham escondido ou estavam esquecidos da memória dos portugueses que pensam sociedade, economia e política.