segunda-feira

Análise interessante por José Manuel Fernandes - que anda a aparecer muito no Macro

O triunfo da tenacidade e da inteligência, ou a lição de Angela Merkel 24.06.2007
A Alemanha tem tido em Merkel um líder à altura das suas responsabilidades europeias. A sua determinação e o seu "charme de ferro" foram determinantes para o sucesso do Conselho Europeu de Bruxelas.
Não tenhamos ilusões: o acordo a que se chegou na madrugada de sexta para sábado em Bruxelas só foi possível porque quem se sentou na mesa da presidência em exercício se chama Angela Merkel. É certo que houve outros factores importantes (o activismo de Sarkozy, a vontade de Blair sair da sua última cimeira europeia associado a um sucesso, a ajuda do Presidente da Lituânia, Valdas Adamkus, o entrosamento dos principais actores com o presidente da Comissão, Durão Barroso), mas a chanceler alemã não agiu apenas como a voz que fala pelo maior país da União e o que mais contribuiu para o seu Orçamento: Merkel fugiu do argumento da autoridade para preferir os caminhos da inteligência. Uma inteligência posta ao serviço de objectivos que tinha bem claros quando a cimeira se iniciou.
Durante décadas a Alemanha actuou na Europa como o financiador que passava os cheques para resolver os problemas - era a Alemanha que se sentia em dívida para com uma Europa que quase destruíra na II Guerra. Depois julgou-se que a chegada de uma nova geração de líderes, personificada em Schroeder, mais descomplexada e capaz de olhar também pelos seus interesses, representava a evolução natural das coisas, mas depressa se percebeu que o homem não estava à altura das circunstâncias. Bem pelo contrário.
Já com Angela Merkel tudo se passa de forma diferente. A sua memória é diferente, pois é uma recém-chegada ao espaço da União (é uma alemã de Leste), não tem qualquer dívida a saldar e, sobretudo, tem a convicção de que a Alemanha precisa da Europa tanto como a Europa necessita da Alemanha. Mais: conhece o Leste e quer o Leste bem dentro da União. Por fim, é uma mulher que se prepara, é uma política que prefere dizer o que pensa e é uma sobrevivente que nunca desiste.
Na verdade, a cimeira de Bruxelas constituía uma oportunidade única e irrepetível. Noutras ocasiões, a União podia, melhor ou pior, passar um tema complicado de uma presidência para a seguinte. Não era o caso, pois se o impasse sobre o tratado não se resolvesse já, nunca mais se reuniriam os factores favoráveis que acabariam por permitir um acordo.
O primeiro factor favorável é o facto de, entre os grandes da Europa, ser o maior aquele que, na Presidência, melhor actua como facilitador, pois não gera os anti-corpos de uma França ou de um Reino Unido, nem está desqualificado como uma Itália. Por isso, ou era desta ou teria de ser durante uma presidência com menos peso, algo que a Alemanha percebeu e Portugal não iludiu: ou se resolviam já as divergências, ou dificilmente se ultrapassariam nos próximos seis meses "portugueses".
O segundo factor crucial é que Merkel podia dispor de um conjunto de aliados único: Durão Barroso, o presidente da Comissão, alguém que está onde está porque Merkel o defendeu desde a primeira hora; Sarkozy, o hiper-activo Presidente francês, que se estreava numa cimeira, tem raízes no Leste da Europa e queria mostrar que os franceses podem contribuir para ultrapassar o problema que criaram; e, por fim, Tony Blair, o mais europeísta dos líderes ingleses das últimas décadas e que participava na sua última cimeira.
Ao serviço desta percepção de que era agora ou nunca, Angela Merkel colocou o tipo de qualidades que são raras na Europa: determinação; sentido de urgência; conhecimento a fundo do que está em causa; capacidade negocial; abertura para envolver todos os que fossem necessários; percepção clara do que era negociável do que era inegociável; e, por fim, algo que talvez possamos definir como um "charme de ferro".
Não faltará quem critique o acordo final - por ficar aquém da Constituição, ou por ter ido longe de mais -, mas é indiscutível que se quebrou o impasse, que se criaram condições para a União ir gradualmente funcionando melhor e que não se perdeu o contacto com as opiniões públicas, manipuladas ou não pelos políticos nacionais. Cabe agora a Portugal dar o nó final, o que encontra muito facilitado sobretudo porque a Alemanha vai continuar no processo. E também porque se espera que Portugal, como todos os que se sentaram ao redor da mesa do Conselho Europeu, tenha aprendido com Merkel.
José Manuel Fernandes
Obs: JMF lá vai dizendo que a Europa é a Alemanha e que o Zé barroso, a couve de Bruxelas que fugiu de Portugal deixando o país a arder entregue ao enfant terrible como se duma monarquia se tratasse, está hoje onde está com a mãosinha invisível de Angela. Talvez por isso o Zé das fritas passe a vida a elogiá-la e a forma sabuja como o faz denuncia bem que JMB tem razão: Durão é mesmo um pedincholas.