Jogos cambiais - por Francisco Sarsfield Cabral -
FRANCISCO SARSFIELD CABRAL
Coluna na “Visão” de 03.05.07
Jogos cambiais
O câmbio da nossa moeda, o euro, está mais alto nesta primavera. Os franceses não gostam, porque o euro caro trava as suas exportações. Mas a Alemanha voltou a ser o maior exportador mundial, apesar da alta do euro. E o lado irónico da insatisfação francesa é ter sido a moeda única europeia uma invenção da França, para se libertar da tirania do fortíssimo marco alemão...
Já circulam mais notas em euros do que em dólares. A maioria das emissões de obrigações é hoje feita em euros. Como moeda de reserva dos bancos centrais, o dólar ainda é predominante (assegura cerca de dois terços), mas o euro já representa um quarto das reservas mundiais.
O euro está em alta também porque são razoáveis as perspectivas económicas da zona euro e porque o Banco Central Europeu ainda irá subir os juros. Entretanto, a economia americana dá sinais de abrandamento, prevendo-se que a Reserva Federal desça a sua taxa de juro.
Mas nenhum destes factores é decisivo para a valorização do euro. Aliás, não é tanto o euro que está a subir, como o dólar que está a descer. Uma queda há muito anunciada. Surpreendente é ela não ter sido, por enquanto, mais drástica.
Os Estados Unidos acumulam, desde há anos, um enorme desequilíbrio financeiro externo. Ao contrário do que acontecia com a Grã-Bretanha quando dominava o mundo e exportava capitais para toda a parte, os EUA são hoje um importador líquido de dinheiro. Boa parte das poupanças mundiais vai financiar o pais mais poderoso do mundo.
Várias razões explicam esta anomalia de os pobres suprirem a carência de poupança dos ricos. A estabilidade politica americana, desde logo – ninguém espera que haja revoluções ou nacionalizações nos EUA. Depois, o espectacular crescimento económico americano nos últimos quinze anos, com fortes subidas de produtividade.
Mas jogam aqui ainda outros motivos. Por exemplo, o banco central da China quer manter baixa a cotação da sua moeda, para ajudar a competitividade das exportações chinesas. Por isso tem comprado quantidades astronómicas de títulos da dívida pública americana, em dólares.
Só que nada disto é sustentável a prazo. Digamos que o afluxo aos EUA de dinheiro do exterior desafia as leis da gravidade. O risco é que a viragem seja súbita e brutal, com toda a gente a assustar-se e a fugir ao dólar, levando este a cair brutalmente. Coisa que nem desagradaria muito aos americanos, que ganhariam capacidade de concorrência com um dólar barato e assim poderiam equilibrar a sua balança comercial.
Felizmente, a descida do dólar está a ser gradual e lenta. Mas ela é inexorável, face ao grande défice nas contas externas dos EUA, a que correspondem enormes excedentes na balança externa de outros países, como a China.
Para nós, portugueses, um euro caro – a outra face da baixa do dólar – só é bom para tornar menos pesada a factura petrolífera (o barril de “crude” é vendido em dólares). Mas torna mais difícil a venda dos nossos bens e serviços, mesmo no mercado europeu, onde competimos com artigos cujo preço é fixado em dólares (têxteis asiáticos, por exemplo).
Aí está uma razão adicional para acelerar a mudança da nossa estrutura exportadora. Fazendo-a depender menos de artigos de mão-de-obra barata e mais de produtos de maior valor acrescentado.
Francisco Sarsfield Cabral Obs: O Francisco fala daquilo que melhor sabe: macro-tendências de política económica, e a forma como expõe os seus argumentos, em que vale a pena meditar, consolida a ideia de que quer Manel Pino (ministro da Economia) quer Teixeira dos Santos (ministro das Finanças) deveriam ler este artigo. Como pelo menos este último costuma navegar por aqui, deixamos a sugestão ao Pinho, até porque depois de se ler esta reflexão diminuí-se drásticamente a possibilidade de ser autor de asneiras, asiáticas... Recomende-se também leitura deste artigo aos articulistas do Dn e à sua nova equipa directora.
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