Páscoa - por Vasco Pulido Valente -
Páscoa de 2007
08.04.2007, Vasco Pulido Valente
(Assinantes, Público)
Lisboa está cheia de espanhóis. Em compensação os portugueses não estão em Lisboa. Parece que foram - os que foram - para Cabo Verde, para o Brasil, para as Caraíbas, para a Tailândia. E os que ficaram compram ovos de chocolate e amêndoas, porque a Páscoa passou a ser ovos de chocolate e amêndoas. Também o Natal, que, para não ofender o islão, em Inglaterra e na América já nem ao nome tem direito, acabou por se tornar uma troca ritual de presentes, como antigamente em certas tribos da Polinésia. E quanto ao Pentecostes, ninguém sabe o que é. Não me surpreende, nem me aflige muito esta indiferença pelo calendário cristão. Não sou cristão e muito menos católico. Mas não deixa de ser triste a trivialidade em que se tornou a vida. A Páscoa para algumas pessoas dividia o ano. Agora é um pretexto para viajar.
Ainda por cima, as festas seculares ou cívicas perderam qualquer espécie de sentido ou, se quiserem, nunca o chegaram a ter. O carácter político do "5 de Outubro" e do "25 de Abril" levou pouco a pouco a que o próprio Estado os preferisse comemorar discretamente para não irritar ninguém: Portugal é uma república sem republicanos, como é, de resto, uma democracia sem democratas. Mesmo o "1.º de Maio" vai morrendo por falta de "trabalhadores", que verdadeiramente aspirem ao "socialismo" ou à "revolução". Do "1.º de Dezembro" não vale a pena falar. E o "10 de Junho", o velho dia da "raça", promovido a "dia de Camões", só serve para uma excursão do Presidente à província, de que o país se desinteressa. Talvez por causa da "Europa", o patriotismo de repente desapareceu. Portugal é uma pátria sem patriotas.
No meio desta miséria, podia haver ao menos, para nossa consolação, uma "época de música", uma "época de teatro", um prémio literário como o Goncourt ou o Booker. Não há. Havia a rentrée política, inventada pelo dr. Cavaco, que justamente não durou. E nem o futebol resistiu. A Taça de Portugal é hoje uma formalidade e, no campeonato, os grandes momentos dependem do acaso. Para os portugueses, o ano foi reduzido a 365 dias, nenhum dos quais se distingue do anterior ou do próximo, excepto pela obrigação de trabalhar ou pelo privilégio, frequente, de não trabalhar. Os portugueses não festejam verdadeiramente nada, porque nada, no fundo, os liga no todo ou em parcelas: nem a política, nem a religião, nem a cultura, nem o patriotismo. Admito que seja melhor assim.
Obs: Publique-se porque, infelizmente, VPV tem razão. Por mim evito até comer amêndoas não vá partir algum dente. É que já nem as amêndoas nem os dentes são como eram. Tudo mudou, para pior...
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