terça-feira

EDITORIAL Sócrates, a Independente e o jornalismo português

EDITORIAL Sócrates, a Independente e o jornalismo português
As notícias sobre a licenciatura de José Sócrates na Universidade Independente (UnI) fizeram todo o sentido há cerca de um mês.
Recorde-se: primeiro, a UnI entrou em convulsão, com as disputas pelo poder e darem azo à intervenção da Polícia Judiciária; depois, sobreveio a crise pedagógica que levaria o ministro Mariano Gago a decretar o encerramento compulsivo do estabelecimento de ensino, a decorrer nos termos da lei. E pelo meio, não se esqueça, surgiu a declaração misteriosa de um dirigente (Amadeu Lima de Carvalho) da empresa que administrava a UnI: "O meu curso vale o mesmo que o do primeiro-ministro."
Ou seja, a partir de uma situação concreta, a crise na Independente, levantaram-se várias dúvidas quanto ao título académico de José Sócrates. Ora, perante um caso destes, numa sociedade evoluída, cabe à comunicação social investigar e ao primeiro-ministro esclarecer.
Um governante tem obrigações - e uma delas é prestar os esclarecimentos que permitam aos cidadãos avaliar, em todos os momentos, a capacidade política do homem para o desempenho do cargo.
Se José Sócrates tivesse um curso obtido por favor, é óbvio que isso afectaria a sua credibilidade pessoal. Por isso ele teve de responder publicamente, na entrevista à RTP, embora com 20 dias de atraso.
Nesse exame público, sobretudo para as pessoas que queriam ouvir sem pretensões de juiz, José Sócrates foi convincente nas respostas e ficou claro o seguinte: o ambiente académico que rodeou a sua licenciatura parece ter sido o mesmo que proporcionou outros milhares de cursos universitários. Não será agradável constatá-lo, porque diz de algum laxismo do Estado na inspecção e regulação da qualidade do ensino superior (e é essa a questão de fundo), mas terá sido apenas isso que aconteceu há mais de dez anos, em 1996.
Antes e depois, se a proposta era provar que tinha havido favorecimento - e era -, a polémica deu em nada.
Por isso mesmo, o jornalismo deveria ter seguido por caminhos mais seguros. Uma "investigação" não produz notícias avulsas todos os dias, algumas sem conteúdo nem sentido. Uma investigação séria pode também acabar sem qualquer publicação ou, então, num caso destes, tem de trazer substância.
Não é nada disto, infelizmente, que está a acontecer.
Sucede-se a divulgação de factos irrelevantes e o caso resvalou para uma guerra entre dois jornais, que podem ser ligados aos interesses dos respectivos grupos económicos, e o primeiro-ministro.
Alguns jornalistas deram mesmo em vestir a pele de donzelas que não aguentam a investida de um assessor e também há quem não esconda a inveja pelo papel da imprensa nos escândalos com Nixon ou Clinton.
Tudo isto pode não ser bom para José Sócrates. Mas tem faltado dizer que já está a ser péssimo para o jornalismo português.