terça-feira

Um bom artigo de Medeiros Ferreira. Sugira-se a Nogueira Pinto que vá residir para Santa Comba...e leve a Zézinha, já agora

jmedeirosf@clix.pt
Professor universitário
É de bom tom social e político não dar importância ao fenómeno de agregação à volta da figura histórica de Oliveira Salazar. O homem morreu, o seu regime caiu, a sociedade aberta não toleraria qualquer repetição demasiado parecida. O melhor é encará-lo como uma relíquia de um passado ultrapassado. É uma atitude demasiado morna para ser saudável. As piores febres são as de baixas temperaturas, mas persistentes. Como o resultado do "passatempo" de domingo da RTP demonstra.
Estes últimos meses assistiram a um curioso plurimovimento de culto dessa personalidade que ligou, numa linha invisível, o casticismo de Santa Comba Dão à RTP sediada em Lisboa na Avenida Marechal Gomes da Costa - este um nome bem apropriado para anunciações salazaristas, como se verifica. No meio, muitos livros sobre o Salazar casto, o Salazar marialva, o Salazar africano, o Salazar europeu, o Salazar ocidentalista, o Salazar anti-americano, o Salazar patriota, o Salazar que não gostava de fado... Todos eles muito comprados, muito lidos, com muitas fotografias do depósito do SNI. No museu de Santa Comba guardar-se-á o restaurador Olex, os utensílios da barba, algumas peças de uso pessoal. O fascínio do personagem é mérito dele. O culto é da responsabilidade de quem o fomenta por forma cada vez mais evidente.
Estou à vontade. Enquanto o combatia politicamente, lia os seus Discursos, volume após volume, e mais do que uma vez. Nunca me deslumbrou o estilo, sempre lhe reconheci o sentido da fórmula escrita. Quando chegaram os hermeneutas "transformistas", não fui apanhado de surpresa. O que se diz sobre a singularidade do regime salazarista já foi ensaiado em França em relação ao marechal Pétain, na Hungria com o almirante Horthy, no Brasil e na Argentina em relação a Getúlio Vargas e a Péron. Não tivesse Mussolini baptizado ele próprio o seu regime de fascista, e o seu sistema corporativo, a sua Carta do Trabalho, os seus compromissos com a coroa de Sabóia e o altar do Vaticano também o isentariam do nome que os discípulos renegaram... depois da derrota militar às mãos dos Aliados. Tivesse vingado a proposta de Salazar de uma "paz de compromisso" entre os Aliados e as potências do Eixo, e quantos hoje não se reclamariam da inspiração fascista...
A estranha abdicação cívica, subordinada ao lema segundo o qual "o meu ditador foi melhor do que o teu", é tanto uma deriva ética dos intelectuais que assim procedem como causa de um desconforto moral e alguma desorientação entre os espíritos.
Enquanto a guerra fria ergueu o sistema soviético como o inimigo principal e se magnificou o combate ideológico contra os totalitarismos, a relativização moral da repressão nos regimes ditatoriais de direita ainda tinha uma explicação derivada de um combate político, que aliás não precisava de tais compromissos para que a liberdade vencesse a tirania. Mas então agora, com a falência do sistema soviético, como explicar o ressurgimento do fascínio por Salazar entre algumas correntes de opinião?
A explicação para tal fenómeno terá de ser procurada, em parte, na actual desorientação política da direita portuguesa.
Com efeito, a direita democrática portuguesa está a perder o pé no regime, por culpa inteiramente dela. Perdeu o pé no governo por precipitação de Durão Barroso, que cuidou mais da negociação externa para ser presidente da Comissão Europeia do que dos procedimentos para a sua estável sucessão interna. E está a perder a sua credibilidade como oposição, quer pelas propostas que faz à contracorrente do esforço para equilibrar as finanças e as que não faz sobre a coesão social, quer pelos tristes episódios que marcam as disputas de liderança interna, pelo menos num dos seus partidos. E, contrariamente ao que aconteceu noutros países, os partidos mais à direita do espectro político português não se filiam numa tradição de luta contra a ditadura.
No máximo, foram evolucionistas e acreditaram na evolução na continuidade.
É certo que durante a fase de normalização do regime democrático notabilizaram-se personalidades como Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Freitas do Amaral, e Cavaco Silva já com o conforto da entrada na Comunidade Europeia. Mas agora a direita está órfã das suas principais referências democráticas, por este ou por aquele motivo. Instintivamente, volta-se para trás à procura de um ponto de apoio. O neo-salazarismo seria o pior que poderia encontrar.
Mas, depois dos esforços sistémicos para se demonstrar que o fascismo nunca existiu, vamos agora assistir à negação do neo-salazarismo?
Obs: Ora aqui está mais um artigo para o dr. Jaime nogueira Pinto ler com atenção. Bem sabemos que Pinto tem uma paixão compulsiva pelo ditador, leu os seus livros, escreveu sobre eles, pouco mais fala senão de salazar, confunde-se até com ele. Salazar, no fundo, é a vida de Nogueira Pinto. Na realidade, o que Nogueira Pinto tem é um problema patológico que faz com que os estudiosos de certos assuntos, a dada altura, se vejam no próprio papel do objecto ou das pessoas estudadas. É um problema epistemológico que rápidamente se converte num desvio patológico com graves implicações cognitivas. Em tempos fui aluno de Pinto, confesso que não gostei, de todo. O homem até as fontes dos diccionários políticos ocultava. Não deixa memória, tal como salazar. E entre a figura ridícula de Pinto - e a figura brujessa de Odete - venha o diabo e escolha. Não por serem como são, mas porque ambos foram naquele medíocre programa os fiéis porta-vozes de dois ditadores: um de direita, Salazar; o outro, de esquerda, Cunhal - que só o foi em potência, mas o seu projecto politico-ideológico e as suas intenções eram as piores... Mande-se cópia disto para Pinto e para Odete, com menção expressa de um agredecimento a José Medeiros Ferreira pelo eficiente e oportuno artuno artigo que nos deixou.