A Europa já não anda de gatas, mas pode rastejar... Cinco cenários.
A Europa e o touro de Gustave Moureau
Uma das principais angústias que tenho quando hoje equaciono a Europa é, além da falta de homens de Estado com visão e projecto, a tremenda frustração por saber que o pensamento único é duma (des)humanidade que não nos deixa alternativa para além da tirania do mercado. Se virmos bem, a Europa pouco mais é do que a mundialização da economia (sem uma defesa comum...) realizada reciprocamente junto dos países que a integram, a diferentes velocidades, naturalmente. E é essa apoteose do mercado que confina a Europa à paralisia em que ela hoje se encontra, com Durão Barroso a pontilhar essa entropia estrutural. Aliás, a paralisia da Europa será a "imagem de marca" de Durão barroso. É triste dizer isto, mas temos de admitir. Todavia, é elementar reconhecer-se que no decurso destes 50 anos, de que hoje se comemora o Tratado de Roma de 1957, que criou a então CEE, um conjunto poderoso e variado de políticas e de aspectos foram integrados pelas diversas sociedades europeias, pelo simples facto de cada uma dessa sociedades nacionais, cada um desses Estados, ter transferido para Bruxelas uma quota-parte da sua soberania. A fim de que na Europa tudo se pudesse coordenar: rule of of law, liberdades múltiplas, livre circulação de pessoas, capitais, tecnologias, protegendo as minorias, reforçando o chamado welfare-sate (Estado-providência, que entretanto entrou em crise, como um dia explicou Pierre Rosanvalon), e por respeito das identidades nacionais e da capacidade de cada um desses Estados em acompanhar a marcha do pelotão da frente. Apesar de tudo, a UE tem sido uma organização supranacional (sui generis) solidária para com os países e povos mais pobres da Europa, sendo que os custos de continuar de fora seriam incomensuravelmente maiores do que ter entrado. Por isso, ainda bem que entrámos. Se Portugal não tivesse entrado, não tenho quaisquer dúvidas que Portugal hoje seria um país com piores estradas e redes viárias em geral, não teríamos mexido no sector do ambiente (apesar do muito que ainda há por fazer). Porventura, seríamos um país com mais e maiores injustiças sociais - de Norte a Sul, do Litoral ao Interior; fora da moeda única do Euro a nossa inflação seria crónica e galopante; as nossas importações continuariam a submergir completamente as nossas exportações com o FMI a mandar bitaites cá dentro (assim, manda o Banco Central Europeu que manipula as taxas directoras e fixa o valor do dinheiro e das taxas de juro, apesar de tudo de forma mais democrática...); a nossa segurança e política continuariam centradas em África, e isso, de per si, representaria um retrocesso ao passado que deixaria hoje Portugal irreconhecível, miserável, decadente, um projecto adiado. Pode-se perguntar: mas que agricultura temos? Que indústria temos neste País de serviços, sol e praia?!! Pouca ou nenhuma, esta é a verdade. Mas foi um mal menor, creio. Depois ainda beneficiámos do chamado modelo social europeu, assente nos direitos dos trabalhadores, nos seus serviços sociais e num conjunto de direitos visando o bem comum. É óbvio que hoje a meretriz da globalização predatória rebentou com tudo isso, e são as deslocalizaações e os desempregos em massa a palavra-de-ordem na Europa e no mundo, daí a angústia inicalmente referida. Pois temos uma Europa refém dos números e da economia. Depois a França e a Holanda, em 2005, resolveram bater com a porta e vetar o tratado constitucional europeu - hoje essenciais para fixar novos objectivos e rumos para a UE. Veremos o que faz aqui a ainda presidência alemã e, a partir de Julho, a presidência rotativa portuguesa.
Há, contudo, um risco sistémico para a Europa, presente na globalização competitiva e a forma como se articulará os interesses nacionais com os da Europa no seu conjunto, e depois como a Europa se posicionará no mundo. São, pois, dois problemas sobrepostos e que colocam desafios ao nível da rapidez dos dispositivos de informação, comunicação e decisão que permitem estabelecer as (tais) comparações competitivas diferenciadoras dos incluídos vs. excluídos do sistema. Neste campo vejamos a fisionomia de cinco cenários e as suas implicações: 1. Cenário: O Triunfo dos mercados – em que vigora o neoliberalismo económico que impõe a liberdade de comércio como regra de ouro da contemporaneidade, ficando a Europa refém, independentemente da sua geometria política (variável), num único mercado planetário cujas regras competitivas e as normas de poder são definidas em Washington D.C.;
2. Cenário: As Cem Flores – mesmo que as sociedades europeias beneficiem dos processos de mudança no domínio das novas tecnologias – na vida das organizações políticas e da qualidade da democracia e no plano das empresas lucrativas, tende a abater-se sobre esse grande espaço uma lógica de corrupção e de esquizofrenia políticas por parte das grandes instituições e burocracias que as faz perder o contacto com a realidade e, assim, deteriorar a qualidade de vida das populações europeias. Levando-as a refugiarem-se em iniciativas de tipo microlocal e de economia informal. Situação que, a prazo, conduz a um acentuar das opções individualistas dos Estados membros fazendo com que se perca a lógica de conjunto – recriando um ambiente de medievalismo político e de anarquia típicos dos feudalismos existentes em (luta) entre si – procurando um “chefe” para impor a unidade de comando (entretanto perdida);
3. Cenário: Responsabilidades partilhadas – vive da ideia nuclear da reforma do sector público, do qual depende a orientação duma política social e industrial revigorada assente nos princípios da transparência, da responsabilidade e da descentralização. Será com estes valores e princípios de acção política que o Estado (reformado) pensa poder assegurar um novo equilíbrio entre gerações, consolidar a coesão social, mesmo num contexto em que a taxa demográfica é regressiva e a economia só oferece condições de trabalho competitivas para alguns;
4. Cenário – Sociedades criativas – suscita a ideia de transformação global nos modos de vida, e não apenas ao nível dos sistemas económicos e políticos sob a orientação de valores amigos da natureza – como a protecção do ambiente, a utilização intensiva de energias renováveis - como se proclamaou na semana passada no fórum Novas Fronteiras do PS - e a ideia de desenvolvimento sustentado. É com base nestes valores solidaristas que se pode construir um novo humanismo perante as desigualdades económicas e sociais existentes entre os “incluídos” e os “excluídos”, os que são competitivos e aceleram os processos de mudanças, e os que são dependentes da protecção paternalista do Estado e temem as forças globais e globalizantes inerentes ao globalismo. A contribuição de algumas ideias velhas mas revestidas de novas roupagens, sobretudo por filósofos anglo-saxónicos podem assegurar um novo caminho relacionado com o conhecimento gerador de um renascimento imaterial;
5. Cenário: Vizinhanças turbulentas – em contraste com os outros cenários, esta deriva parece ter sido concebida para os poderes erráticos que protagonizam os novos métodos de terrorismo político de que os ataques a Nova Iorque e Washington foram exemplos no 11 de Setembro de 2001. Com efeito premonitório, este cenário gera um conceito de Europa interferida por um quadro geopolítico (próximo) perturbado, quer a Leste quer a Sul, dinamizado por um jogo de forças e de tensões que conduzem, no plano institucional, à criação de um Conselho Europeu de Segurança centrado, naturalmente, hoje por maioria de razão (e por motivos óbvios), na racionalização da problemática que envolve as questões de segurança e defesa.
Creio que a questão que hoje se coloca a Portugal, especialmente agora que se evoca os 50 anos da UE, é saber que cenário hoje melhor serve os interesses vitais permannetes de Portugal. Sabido isso, conhecidos os seus contornos, resta-nos alinhar os objectivos de pequeno, médio e longo alcance que possam coadjuvar nessa estratégia global de desenvolvimento. Sendo que o ideal será fazer coincidir os interesses de Portugal com os interesses e o ideal europeu, ou que este ideal europeu também possa ajudar os Estados-membros a identificar as melhores políticas públicas nessa concertação política permanente. Mas em qualquer presidência, mormente na portuguesa que se avizinha, o triunfo da sociedade de mercado dissolve as veleidades de pluralismo. Assim sendo, cabe-nos reflectir acerca da melhor maneira de evangelizar a competitividade sem ser - como habitualmente os outros fazem, por recurso ao velho integrismo ultraliberal que consiste em meter no mesmo aquário tubarões com chernes, como diria a "outra" que tantava ajudar o marido a ser eleito PM antes de trair Portugal na cama de Bruxelas. Portugal, dentre em breve, irá ser confrontado com a aplicação prática desse velho método da teoria da harmonia dos interesses (em tempos fixada por um historiador britânico chamado Edward Hallet Carr), pois tudo aquilo que fizermos ou deixarmos de fazer terá de coincidir com os interesses de uns e outros ao mesmo tempo no espaço da UE hoje a 27. Se fizermos isso sem o crónico fundamentalimo económico, e, ao mesmo tempo, com proveito para todos e fizermos avançar a Europa, então Portugal já terá feito muito nessa senda de Portugal a caminho da Europa... Nessa trajectória, talvez não seja má ideia atentarmos no 4º cenário: o das sociedades criativas que, de certo modo, até já esteve presente no Fórum das Novas Fronteiras do PS - em boa parte coordenado (e potenciado) por António Vitorino. No fundo, qual será o nosso objectivo enquanto povo, sociedade e Estado? Será, talvez, fazer com que a Europa não gatinhe, e muito menos rasteje...
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