domingo

António Costa Pinto e Sarsfield Cabral dão-nos dois interessantes artigos

Roma e Portugal (dn, link)
António Costa Pinto
Professor Universitário
Quando o Tratado de Roma foi assinado, há 50 anos, a notícia não passou despercebida em Portugal, sobretudo entre diplomatas e elites industriais, mas as preocupações do ditador Oliveira Salazar e dos portugueses eram outras. A nível interno, apesar do sucesso da visita da Rainha Isabel II a Portugal, agravavam-se as tensões com o Presidente Craveiro Lopes, os monárquicos apoiantes da ditadura levavam um balde de água fria nas suas esperanças de restauração da monarquia e a oposição já fervilhava na preparação das eleições presidenciais de 1958, quando Humberto Delgado provocou um rombo decisivo no Estado Novo.
Mas não eram apenas o abismo de pobreza e a ausência de democracia que separavam Portugal dos fundadores da Comunidade Europeia. A resistência à descolonização e os sonhos de um império africano disfarçado com "lusotropicalismo" jogaram o seu papel, ainda que as hesitações inglesas e a criação da EFTA, à qual Portugal acabaria por aderir, tivessem oferecido à ditadura muito mais do que seria de esperar.
A história que aqui conto poderia ser feita para a vizinha Espanha, com outros factores, e para muitos países da Europa central, nessa altura ditaduras comunistas, dependentes da então União Soviética. Quem imaginaria nesse final dos anos 50 a extensão da actual União Europeia e o seu sucesso?
Não vale a pena transformar em heróis os pais fundadores deste Tratado de Roma, mas as opiniões públicas das democracias deveriam prezar mais estes dirigentes políticos mais ou menos banais, que foram partindo a cabeça em negociações para criar e depois alargar estas instituições supranacionais, garantes da integração económica e depois política da Europa.
Hoje, quando olhamos para trás, temos que admirar esta cultura de negociação que só muito mais tarde foi chegando ao sufrágio universal e ao debate político no interior dos Estados membros. Há sempre pouca glória na negociação das quotas de produção de tomate ou sobre o que é uma cerveja, mas muito deste mercado único incompleto passou por aí, antes de termos um Parlamento Europeu, umas fronteiras mais abertas ou um sr. Javier Solana a visitar o mundo.
Para Portugal, este tratado começou a ter efeitos logo na década de 60, quando ainda estávamos longe de pensar que ele nos diria directamente respeito, mas a partir dos anos 80 ele acabou por ser o melhor garante político e depois económico da nossa existência.
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

A crise dos 50 anos (dn, link) Francisco Sarsfield Cabral

Jornalista

Esta União "é a expressão moderna de como encontrar pontes entre povos diferentes e de como viver valores partilhados mantendo identidades distintas". "As forças gémeas da globalização e da interdependência são determinantes na nossa era." Pelo que, "no mundo moderno, a necessidade de actuar em conjunto é mais forte do que nunca".

Não, não se trata de palavras celebrando os 50 anos da União Europeia. São frases retiradas de um artigo do primeiro-ministro britânico, Blair, sobre a união entre a Inglaterra e a Escócia e publicado no Daily Telegraph do passado dia 16. Essa união possui "o mercado único há mais tempo a funcionar no mundo, tendo feito desaparecer fronteiras para os negócios".

Blair tomava posição contra o Partido Nacionalista Escocês, que pretende que a Escócia regresse à independência, depois de 300 anos de integração no Reino Unido. Mas os argumentos que usou podem aplicar-se à integração europeia.

Com uma diferença essencial: a UE não é, nem será, um Estado ou um super-Estado. Assim como não é, nem jamais foi, uma mera organização intergovernamental. É outra coisa, diferente dos esquemas tradicionais. Aí está a sua força - a força da união.

Por isso foi um erro colossal chamar "Constituição" ao Tratado Constitucional chumbado nos referendos em França e na Holanda. A construção europeia é avessa às grandes palavras, como Estados Unidos da Europa, patriotismo europeu (não há uma pátria europeia), patriotismo constitucional (proposto por Habermas), Constituição, etc.

O cerne do projecto de integração que agora completa meio século (aliás é mais antigo, pois começou em 1951 com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) está no complexo jogo da partilha de soberania entre os países membros. É a única maneira de os Estados do Velho Continente terem algum peso no mundo actual.

Não se pretende criar uma superpotência como contrapartida aos Estados Unidos, fantasia felizmente irrealizável. Interessa, sim, dar melhores condições de vida aos europeus.

No plano económico, desde logo. São evidentes as vantagens de já não termos, na UE, uma multiplicidade de mercados nacionais mais ou menos fechados. E quem gostaria de andar para trás nas "quatro liberdades", de circulação de pessoas, serviços, mercadorias e capitais?

Ora aí existe um risco de recuo. O "patriotismo económico" renasceu na Europa com os receios da globalização. Lembra o período entre as duas guerras mundiais, quando a escalada proteccionista levou ao desastre.

Mas fará ainda sentido a integração europeia, em particular na sua vertente política? A guerra fria pertence ao passado, a paz parece assegurada entre os países da UE, o essencial do alargamento a Leste está feito... Os europeus sentem-se distantes das instituições da União e desinteressam-se da integração. Os políticos raramente falam da Europa.

São, aliás, patentes as divisões entre os membros da UE. Vejam-se as divergências quanto ao relacionamento com a Rússia, em matéria de energia ou de instalação de mísseis americanos antimíssil. E não será fácil a distribuição pelos 27 dos cortes de CO acordados globalmente no último Conselho Europeu.

E depois? Claro que há diferenças, problemas e limitações. Mas importa preservar o que já se conseguiu, que foi muitíssimo. E prosseguir insistindo nos "pequenos passos" com efeitos práticos a longo prazo, como Monnet preconizava. O intercâmbio de universitários proporcionado pelo Erasmus, por exemplo, faz mais pela integração europeia do que muitos tratados.

O decisivo é abrir cada sociedade nacional ao intercâmbio com os parceiros da UE, criando laços entre os cidadãos dos vários países membros. A cultura da diversidade é uma riqueza da Europa. Por isso devem travar-se os excessos homogeneizadores de Bruxelas, sem todavia esquecer que muitas dessas intervenções são necessárias para impedir proteccionismos nacionais.

Mas a Europa não pode avançar contra as opiniões públicas dos vários países das União. É preciso abandonar vanguardismos e tentar a sério aproximar as instituições europeias dos cidadãos - nomeadamente envolvendo mais os parlamentos nacionais no processo de decisão na UE. Receio, porém, que a retórica das comemorações do cinquentenário da União não aponte nesse sentido prático e humilde. E que a prioridade que Angela Merkel atribui a ressuscitar a malograda "Constituição" acabe por acentuar o alheamento dos europeus face à União.