Depois de mostrar como uma mulher vai para a cama com um cego, Bettencourt Resendes sugere a história da líbido do DN. Porque não ele!?
As (boas) memórias de um edifício (link)
Mário Bettencourt Resendes
Jornalista
O conspícuo The Spectator vai mudar de casa. Após 30 anos num elegante prédio do século XIX, com quatro andares, cave e jardim, a revista, que é ainda um baluarte da elite conservadora britânica, viu-se obrigada a procurar instalações mais compatíveis com as exigências tecnológicas e de espaço de trabalho do actual mundo mediático.
Simon Courtland, o historiador "oficial" da publicação, recorda, numa das últimas edições, alguns dos episódios mais saborosos que dão alma às paredes do edifício. Fala, por exemplo, do dia em que a recepcionista confundiu Graham Greene com o homem que vinha mudar a carpete, e também, num registo mais colorido, num almoço a dois no gabinete do publisher (equivalente anglo-saxónico do administrador executivo), em que um dos convivas passou mais tempo debaixo da mesa do que na cadeira...
Vale a pena, mesmo assim, ler o artigo de James Wolcot, numa recente edição da Vanity Fair, para recordar a forte libido que tem animado a vida quotidiana do The Spectator. Ressaltam, desde logo, alguns pormenores sugestivos sobre o conhecido romance entre a publisher Kimberley Quinn e o ex-ministro do Interior de Tony Blair, o (cego) David Blunkett. Segundo Wolcot, tudo começou num jantar onde estava também presente um jornalista da The Spectator que tinha entrevistado o governante. Quinn, após as apresentações formais, mostrou logo que, apesar de casada, não era tímida, e disse qualquer coisa do género: "Sempre tive curiosidade em saber como seria ir para a cama com um cego."
Os acontecimentos subsequentes mostraram que Blunkett não era surdo. O romance, tórrido segundo os implacáveis tablóides da ilha, custou, no entanto, o cargo ao ministro, quando se soube que tinha subvertido a lei inglesa para apressar um visto de residência para a babysitter filipina dos filhos de Quinn. Note-se que a paixão de Blunkett foi ao ponto de reclamar a paternidade de um filho nascido tempos depois (presume-se que os meses suficientes...) do famigerado jantar.
O ex-director, e também deputado conservador Boris Johnson, acabou por afastar-se devido a uma conjugação de gaffes políticas - que o obrigaram a vários pedidos de desculpas públicas - com uma ligação (extramatrimonial) a uma jornalista da casa, Petronella Wight. A julgar pela fotografia de Petsy (para os amigos...), compreende-se que Johnson tenha cedido à tentação...
O caso mais suculento referido por Wolcot envolve Rodd Liddle, um dos colunistas de primeira linha da revista, e a recepcionista do edifício do The Spectator. Denunciado pela mulher aos jornais do costume, Liddle foi mesmo acusado de ter apressado a sua lua-de-mel (!) para regressar mais depressa aos braços da amante.
A história do The Spectator, que é, obviamente, muita mais rica do que os ímpetos sexuais dos seus administradores e escribas, recordou-me que o Diário de Notícias vai a caminho de século e meio de vida e que, em livro (dois volumes), tem apenas publicado o relato dos primeiros 75 anos da sua existência. É, por sinal, um documento interessante, mas compreende-se que, à luz dos condicionamentos da época, esteja ausente o distanciamento político que permitiria uma análise crítica com outra profundidade. Deixo, pois, aqui, a quem de direito, a sugestão de que se comece a pensar no assunto, numa altura em que, felizmente, ainda estão vivos, e com memória pujante, alguns dos homens (e também mulheres, embora poucas) que trabalharam nesta casa em décadas já distantes.
Neste dias de liberdade de expressão, será, por certo, possível encontrar um historiador de créditos firmados, capaz de passar ao papel as vicissitudes da vida, sem dúvida controversa, do diário que muitas vezes se confundiu com o retrato do País - ou, pelo menos, com uma parte da Nação... E, já agora, que seja alguém com um mínimo de ironia e de sentido lúdico da vida, sem inibições de abordar (com sobriedade, claro...) alguma da libido que repousa nas memórias das paredes concebidas por Pardal Monteiro.
Afinal, tenho a certeza de que muito poucos - se é que houve alguém... - fizeram voto de castidade ao atravessar, pela primeira vez, a porta n.º 266 da Avenida Liberdade.
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