sexta-feira

Litost: à Angústia sucede a Vingança. Pelo meio fica o Tormento

David Alfaro Siqueiros"Monumento a Cuauhtémoc: el tormento" 1951
1. Uma interpretação particular desta Obra poderia apontar para uma leitura diversa daquele que ela tem na origem: o cão e os soldados couraçados poderiam representar os U.S. Marshal da CIA que sovaram os terroristas - alí deitados - na pista do aeródromo do Funchalinho - suplicando por misericórdia sob juramento de que já não destruíam mais edifícios com gente inocente lá dentro. À esquerda vemos uma imagem de vermelho duma mulher com os seios translúcidos e com cara de bruxa, mas sem bexigas - que aqui representaria Durão Barroso - secundado, à rectaguarda, pelo diabinho-mor: g. w. Bush.
2. Outra leitura prevê que aquela bruxa de vermelho não seja, de facto, Durão, mas sim Ana Gomes rogando clemência para com os terroristas e exigindo de imediato a sua libertação e a prisão dos US.Marshal que seviciaram aqueles no aeroporto do Funchalinho. É aqui que a doutrina se divide. Afinal, quem é aquela bruxa de vermelho? Durão ou Ana? David Alfaro que me perdoe esta nossa reinterpretação do "Tormento". Mas também isto é arte...

Exposto o enquadramento cultural da peça onde se desenrola o drama ensaiamos aqui uma leitura mais sofisticada (e culturalista) acerca das atitudes, condutas e comportamentos de Ana Gomes, uma eurodeputada do PS que entretando se rebelou contra o seu próprio partido a pretexto duma questão de interesse de Estado, que é o terrorismo suicidário e catastrófico que hoje mata mais pessoas do que as antigas guerras civis. Já explicámos que a pretexto duma motivação pessoal, política e partidária, Ana Gomes recobriu-se do vested interest dos direitos humanos dos terroristas para, dessa forma, destruir Luís Amado e antecipar a queda de popularidade deste governo.

Já aduzimos os pressupostos que nos permitem atingir essa conclusão. Entendemos, contudo, que um novo campo de análise precisa ainda de ser percorrido, para varrer um espaço de incertezas que ficou pelo caminho da perfídia de certas condutas, por natura, dissimuladas neste simulacro político em que Ana Gomes se envolveu, como se fosse a batalha da sua vida, e agora tudo faz para envolver jornalistas ingénuos e pouco preparados, PGR e mais uns quantos players e figurantes menores para, assim, arrastar este governo para a morada da miséria, da destruição, da ruína.
Foi aqui que me deparei que os conceitos da Ciência Política e da Sociologia Política ou mesmo das Relações Internacionais, já não bastavam para explicitar este absurdo cirúrgicamente urdido. Apesar de cruciais, aqueles conceitos já não eram suficientemente elásticos para desmontar, peça a peça, Ana Gomes. Apesar de não haver muito a desmontar, no plano da análise, bem entendido..
Vejamos: Litost é um conceito intraduzível de origem checa. À 1ª vista faz lembrar o queixume de um cão abandonado, como diria Milan. Não há significado ou equivalente funcional se quisermos traduzir este conceito para português. Por isso temos de recriar um contexto em que se torne perceptível a sua socio-acção. Imaginemos que um estudante toma banho num rio com uma amiga estudante. Ela é desportista, mas ele era um manco, não podia com uma "gata-pelo-rabo". Ela estava perdidamente apaixonada por ele, por isso nada devagar para não o humilhar, dado que ele era uma lesma a nadar. Mas como o banho estava quase a acabar ela queria dar livre curso aos seus instintos desportivos e dirigiu-se, em crawl rápido, para a margem oposta. Ele, claro, fez um esforço para nadar mais rápido, mas acabou por engolir água. Sentiu-se diminuído, desmascarado na sua inferioridade física, e experimentou a litost. Ou seja, humilhado e perdido sentiu vontade de lhe bater, e após censurá-la deu um estalo à miúda. Ela começou a chorar, e ele, ao ver-lhe as lágrimas, sentiu-se mal e com compaixão, tomou-a nos braços e foi nesse instante que a sua litost se dissipou.
Vejamos outro exemplo - que depois encontrará paralelo com toda a lamentável conduta de Ana Gomes em todo este episódio dos aviões da CIA escalados no Funchal que só fragilizam a posição do Estado português e não aproveita a niguém, talvez aos terroristas que assim topam a vulnerabilidade das democracias e do seu ventre mole, é aí que os terroristas atacam - ante estes falsos pacifistas e profetas. Esse outro exemplo passa pelo seguinte: imagine agora que o mesmo rapaz, o tal trouxa que nada mal, também toca mal violino, apesar das lições em que o pai o metera a ver se melhorava. Sucede que os desafinanços eram tais que o professor com aquela vozinha irritante passava a vida a interrompê-lo. E à medida que os enganos se sucediam mais irritante se tornava a voz do professor, mergulhando o rapaz na sua litost, na sua humilhação...
Ora, e é aqui que estamos em condições de religar as pontas ao assunto dos aviões da CIA escalados no Funchal, a conduta da Eurodeputada entronca numa humilhação desta natureza, pois alimentou o sonho de chefiar as Necessidades, especialmente após a sua prestação pela independência de Timor-leste, e Socas quando ganhou as eleições por maioria absoluta fez saber que a senhora de pouco servia, o que fez com que ela o invectivasse, além de nunca ter acreditado nele para líder seja do que fôr, e nisso Socas não esquece, tem até memória de elefante.
Ana Gomes, diante todo o espectáculo que montou, cá e em Bruxelas, umas vezes de mãos-dadas com Coelho (o moço de recados de Durão), outras de forma isolada, entrou em estado de tormento, que nasce do espectáculo da sua própria miséria subitamente descoberta... Ou seja, quer as motivações, quer o método de intervenção e os seus alvos, fazem com que Ana Gomes entrasse num ponto sem retorno, e nem já o amor (leia-se, solidariedade política do PS) pode resgatar as suas fraquezas do ninho de cobras em que se envolveu querendo, com isso, também afundar os interesses do Estado português nesse dossier.
Em suma: Ana Gomes tinha um desejo de identificação política absoluta com a liderança que viesse a sair vencedora do PS. Sucede, porém, que essa identificação absoluta não só inexistiu como também se tornou visceralmente incompatível, daí a ilusão que ela acalentou de um dia poder vir a ser MNE. Resultado duma ilusão quebrada, dum sonho partido. E é nestas circunstâncias que o amor/filiação a um partido (ao PS) se transformou, automáticamente, numa fonte permanente de tomento, aquilo a que aqui, com a ajuda de Milan Kundera, designamos de litost. A mesma grelha operatória se poderá aplicar às relações entre,por exemplo, SLopes e Carmona Rodrigues com MMendes de permeio... Tudo alí é fracturante.

O litost de Ana Gomes reflecte assim o espectáculo da sua própria miséria, da sua imperfeição e inaptidão para a política, até para a diplomacia tornando-a numa figurante banal num filme de 7ª série. O litost da Eurodeputada, apesar de aqui não lhe querermos dar muita importância (importância tem o processo que explica toda esta trajectória política), remete-a para a inexperiência recheada de um adorno de juventude mal curado.

Ana Gomes reage como reage porque tem um motor dentro de si a funcionar a dois tempos, e ao sentimento de angústia por não ter sido convidada para as Necessidades, como esperava, torna-a num actor vingativo. O seu objectivo é puramente a vingança política, é conseguir com que o MNE e o PM sejam os parceiros ideais que ela escolheu para se afundarem. Assim como aquele rapaz que não sabia nadar e esbofeteou a namorada que era excelente nadadora, também Ana Gomes quer dar esse estalo de luva branca a quem dela prescindiu. Nem que para isso tenha de percorrer o deserto. Eis o que faz.

Desconheço se Ana Gomes sabe nadar, mas que quer dar estalos não tenho qualquer dúvida. Até porque a vingança, tal como os pretextos que usa para se condoer dos desgraçadinhos dos terroristas a quem alegadamente violaram os direitos humanos no Funchal, nunca pode revelar o seu verdadeiro motivo. E assim como aquele rapaz não pode confessar à miúda que lhe bateu por ela nadar mais depressa do que ele, também a Eurodeputada não poderá admitir aos portugueses que está a fazer toda esta guerrinha civil por pura vendetta, má formação, inveja, hipocrisia e cinismo.

Eis o litost de Ana Gomes, mas o princípio-activo que preside a este esquema operatório pode ser aplicado a "n" situações da realidade socio-política portuguesa. Daí a sua relevância epistemológica.