quinta-feira

Alexandre O'Neill no telhado

Os factos sociais com peso político em Portugal continuam sendo desprezíveis: o aborto, a sua lei, a forma como deve ser regulamentada. Subiu a referendo uma matéria que até a Constituição proibia que fosse referendável; as declarações tíbias de Cavaco sobre a matéria (que cínicamente nunca tomou posição sobre a matéria para não desagradar à esquerda e manter o pleno no espectro político), a vontade de MMendes vir a ser PM, o sorriso de Socas à saída do Largo do Rato de Tm na mão, um Nokia, porventura, Jerónimo pendurado num microfone fazendo lembrar as lutas da Lisnave, Ribeiro e castro de suspensórios lembrando o buxa e estica (este seria o Paulinho das feiras, que ora prepara o assalto ao "Caldas") fingindo que é aquilo que não é, PPortas a passear o seu bronze-solário com o seu magnânime penteado de trás para a frente para fingir que ainda tem cabelo e que não lhe descubram a careca (o pior é se passa uma rabanada naquele estúdio piroso da Sic onde aquele debita umas notas de estagiário, lá se vai a cobertura capilosa a toque de laca), Anacleto Louçã a invectivar os demais de estúpidos e canhestros, as Opas que não vingam e as preocupações de Belmiro que agora já oferece mais qualquer coisinha pela PT caso a sua Opa seja chumbada pelo corpo accionista, a ecnomia a descer e a subir no carrossel das esperanças frustradas dos tugas..
Tudo isto faz o nosso quotidiano sem interesse. Diante isto o que faz um analista lúcido? Segue a onda desta mediocridade e engrossa esse caudal de cabotinagem, ou, à contrário, luta contra essa maré de petróleo branco propondo narrativas alternativas na nossa paisagem mental.
O Macro, pelo menos, procura sempre seguir esta última pista, e é por essa razão que nos lembramos aqui, de novo, de Alexandre O'Neill que andava sempre atrás de casas com boas vistas, com bons telhados. Não para ver aquela mediocridade instalada na política à portuguesa, mas para ver mais além... Todas as que escolhia, procurava ter uma vista de Lisboa com o rio Tejo em pano de fundo. Quando assim era ele e os seus amigos iam para o telhado com umas mantas e uma sandochas de frango assado e era de lá, do telhado, que contemplavam tudo enquanto comiam. Era um fartote de estrelas com sabor a frango assado. Era assim que a cidade de Lisboa era contemplada, mas para tomarmos o gosto a esse frango o melhor mesmo é abrir o poema de O'Neill. Cá vai, entre o Vate 65 e Feira Cabisbaixa esta torrente é vertida no Auto-Retrato - (nos Poemas com Endereço):
O poeta mora no telhado

com a mulher e o filho.

A renda é cara; faz calor e faz frio.

É um 3.º alto, sem elevador.

Há baratas

e aventuram-se as visitas a ir lá

visitas que depois

umas não dizem senão um tudo-nada

que ao poeta é que cabe falar...

... (aqui uma linha censurada) ...

Outras descrevem a última lagosta

que quereriam comer,

e os crocodilantes, depois de beber,

necessitam muito de ler...