quinta-feira

Alexandre O'Neill no Macroscópio: evocação simples dum génio

Alexandre O'Neill é uma referência obrigatória para o Macroscópio, por muitas razões, todas atendíveis. Mas deixemos as razões e percebamos por que andava ele pelas ruas de Lisboa a escrever, a tomar notas pelas tascas, pelas pastelarias, pelas ruas e avenidas onde aportasse... Talvez a descobrir o maravilhoso no quotidiano, que é que temos de certo, dia-a-dia, embora ele o recriasse de forma surrealista, sempre surpreendente.
Vejamos um aspecto particular da sua personalidade com o qual me identifico plenamente: O'Neill achava piada às pessoas porque delas extraía uma história, uma lição de vida, mas não era qualquer pessoa que lhe suscitava essa lição. Desta categoria excluía, por exemplo, um liberal, um advogado sentado à mesa dum restaurant a comer marisco. Ele já sabia o que este iria dizer, à luz da sua mente aquele advogado tornara-se altamente previsível. Dum homem simples, nada sabia e não raro era surpreendido. Eu próprio, também ainda não consegui aprender nada com os sabixões dos doutores e catedráticos que nos desgovernam, dentro e fora da Academia, com essa gente só se aprende uma coisa: a arte da sacanagem, nada mais.
O'Neill confessava-se antes fascinado pelos lugares comuns, pela banalidade que desmontava cirúrgicamente com pinças de relojoeiro, para recriar todo esse ambiente noutro contexto que, esse sim, já faria um sentido diferente, original. A dado passo disse: Há lá coisa mais excitante que o lugar-comum? - na linha de Baudelaire. O'Neill está sempre cá, anda por aí, de esquina em esquina nas dobras do Macroscópio, mas não como os outros miseráveis da política que andam por aí por favor. Alexandre anda por aí de cabeça erguida, com pensamento, com alavancas, com fuuturo, com dignidade. Nunca escreveu em papel-manteiga e da morte dizia uma coisa interessante:
A morte é uma fuga definitiva a todas as chatices.
Presumo que tenha razão, embora desconheça se do outro lado da vida a chatice não será ainda maior, se bem que menos corpórea... Enfim, tudo questões que não cabem na merda dum post de blogue ou duma carta anónima, como diria o sr. PGR, Pinto Monteiro. Este até tem uma senhora que lhe faz o trabalho...

  • PS: Pergunto-me quantas croniquetas políticas teria de produzir para igualar a importância deste nosso breve testemunho...
    As escarretas que saem das tabernas

    não voltam a entrar.

    Ou ficam nas bermas

    ou em quem vai a passar.
  • Era isto o O´Neill, ora tanto arrastava os amigos para comer cozinho porco nos restaurantes da Buraca como denunciava um ar aristocrata. De modo que nele se reuniam essa auréola Chunga-Chique que fazia dele o elemento do povo seboso como o aristocrata fino e de boas maneiras. Julgo, contudo, que nunca apanhou com nenhuma daquelas escarretas vindas do interior das tabernas. Ou porque passava ao lado, ou porque estava lá dentro a enviar correio para o mundo...