quarta-feira

Alexandre O'Neill: "Poema"

POEMA
Um dia hei-de ver se me levanto cedo

para apanhar o mundo de janelas fechadas,

a relva molhada cheia de gotas de água,

as bicicletas dos operários suburbanos,

o bafo dos burros das carroças de couves,

e o último poeta, coberto de orvalho,

trazendo um soneto e a noite em claro,

do último candeeiro iluminado.

(Um dia hei-de ver se me levanto cedo,

após uma noite sem silvos e asas,

sem tubos de aspirina e momentos de febre)

Um dia hei-de ver se me levanto cedo,

hei-de ver se me estudo sob a luz primeira

e se me lembro do meu riso de pequeno,

quando me faziam cócegas no pescoço...

O mais curioso é que O'Neill num exame no Liceu Camões reprovou a Latim e Geografia e nunca mais pôs os penantes no liceu. E fez bem, senão tinha-se estragado. E quando tentava concluir o 7º ano do Curso Geral dos Liceus - concluía a coisa com média de 11 valores, mas o Poema - um dos seus primeiros trabalhos, acabou por ser um dos seus mais vivos testemunhos da sua passagem pela Terra. Até Agostinho da Silva me dizia (com ar sério e dirigido), que o O'Neill era muito bom. E era, e foi, e é...

É isto que o tempo faz às pessoas. Glorifica-as primeiro, para logo de seguida acabar com elas, por vezes sem aviso prévio, como nas cartas das finanças...

Onde quer que esteja, estas notas são em memória de Alexandre O'Neill...