Uma solução para o drama do aborto em Portugal: mais desenvolvimento e liberdade
Em Portugal há dinheiro para estádios de futebol que depois ninguém usa, mas não há dinheiro para apoiar activamente a natalidade. Milhentas são as razões que levam uma mulher a abortar: problemas económicos, sociais, culturais, psicológicos, familiares e outros, muitos outros. E aqui "nos outros" não devemos incluir uma pseudo-categoria sociológica do "estado d'alma" - tão aberrante quanto ridícula aventada pelo doutor Marcelo na rtp, a tv paga por todos nós, que é o local onde ele prepara a sua candidatura a Belém daqui por uns anitos. Seria preferível que ele desse mais um mergulho no Tejo, apesar de ser um dejá-vu, sortiria mais efeito junto dos pacóvios da opinião pública que ele pretende seduzir ou convencer.
Mas o meu ponto é outro na tentativa de resolução dum problema grave que afecta escandalosamente primeiro as mulheres, depois o tecido social no seu conjunto. Imagine que é uma mulher que engravida dum tipo sem interesse futuro nessa relação e deixa a mulher a braços com uma gravidez em gestação. Ela, se tiver fracos rendimentos e for oriunda dum meio social médio-baixo pode ou não abortar, mas as estatísticas (que não choram) acabam por não mentir, e dizem que ela, na maioria das vezes, opta pelo aborto. Dispensando-se assim da censura e do vexame da sociedade e da sua manifesta incapacidade económica para criar aquela criança e dar-lhe um futuro condigno.
Por conseguinte, ela acaba por ser racional, apesar do método anticoncepcional ter falhado, se é que usou algum. Mas por detrás desta situação concreta, que é o pão nosso de cada dia em Portugal, está a textura duma sociedade e duma economia, que nos aponta para a necessidade da eliminação das principais fontes de restrições em Portugal: a pobreza como tirania, a míngua de oportunidades económicas como sistemática da privação social, a incúria dos serviços públicos que, por causa duma lei tão canalha quanto decadente e hipócrita, se dá o direito de criminalizar as mulheres que não têm condições socio-económicas para ter uma criança em Portugal. Além disto, ainda temos de gramar com a prepotência de alguns moralistas - cujas mulheres já devem ter abortado "n" vezes, e depois lá vão eles para diante da caixa negra fazer mais uns exercícios de hipocrisia consentida com as mulheres em casa a dizerem para com elas: "aquele meu marido é mesmo um canalha além de hipócrita, primeiro obrigou-me a fazer um aborto, e depois vai para a tv defender a sua proibição"... Quantas situações destas não existem em Portugal... Quantas!???
O que me choca é que apesar do aumento sem precedentes da riqueza global, o mundo contemporâneo recusa liberdades elementares só por falta de condições económicas. Por que razão o Estado-providência português (que é uma miragem) não segue mais de perto a estratégia da Alemanha para incentivar a taxa de natalidad?! Já não digo disponibilizar 5.000 cts a cada grávida, porque assim éramos capazes de ter um baby-boom e depois não havia território que chegasse para tantas alminhas, mas pelo menos metade dessa verba afim de fazer face às despesas elementares naqueles casos de maior risco social e angústia pessoal onde as liberdades foram mais restritas, ou onde a pobreza económica e cultural esbulha a essas pessoas a liberdade de atenderem aos seus sonhos e projectos, e às vezes atender à sua própria fome.
Seria do alargamento destas liberdades que teríamos um progresso social e humano em Portugal, um desenvolvimento apoiado na acção de pessoas livres, e não em pessoas dependentes de tudo e de nada. No fundo, a relação duma mulher que está grávida de pai anónimo - com respeito à realização do desenvolvimento social vai muito para além da sua ligação constitutiva, por muito importante que seja, na medida em que as suas consequências interferem com a própria dinâmica da sociedade.
Creio sinceramente que as pessoas poderiam efectivamente realizar o seu plano de desenvolvimento pessoal através duma melhor integração nas oportunidades económicas, pelas liberdades civis e políticas, com melhores poderes sociais e institucionais e por um conjunto de possibilidades técnicas que são a boa saúde, a boa educação, a boa cultura, enfim, um universo de dispositivos institucionais que gerariam inevitavelmente mais oportunidades que acabariam por influenciar os seus destinos enquanto mulheres e agentes sociais, económicos e culturais numa sociedade.
Bem sei que isto iria encarecer em muito o budget do ministério da Saúde, da Educação e afins, mas creio que valeria bem a pena, cortando noutros sectores menos infra-estruturantes para apostar em políticas activas de natalidade. Projectos da União Europeia poderiam ajudar a cofinanciar esta necessidades de inverter a pirâmide etária em toda a Europa, que está, no seu conjunto, velha e deprimida e perderá a prazo para a Ásia que é muito mais reprodutora. A guerra aqui não é só social e humana, é também económica e de afirmação geopolítica, mas parece que muitos responsáveis políticos ainda não perceberam esse ponto crucial na história geral da Europa no momento de viragem incerta em que se encontra.
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