domingo

A previsibilidade do prof. Marcelo

Marcelo está muito atrevido, pois até já começa a sua análise da semana olhando para o decote de Flor em lugar de depositar a sua atenção nos factos... Aparte esta boutade confesso ter apreciado o bom senso da sua análise, embora cada vez mais saiba a pouco... Desta vez, reportando de Lisboa e Flor "cobrindo" a visita oficial de Cavaco à Índia.
Da América de Bush chegam promessas que apontam para mais do mesmo, em que as oscilações de política não representam, de facto, uma mudança de posicionamento dos EUA relativamente ao Iraque, com os Democratas a marcar posição no terreno e a preparar as próximas eleições presidenciais. Em França Sarkosy soma à direita - colhendo o apoio de Chirac e a oposição de do PM D. Villepin, o que o coloca como candidato ganhador contra a sua principal concorrente, a socialista Segoléne Royal. Em Espanha temos a desgraça da Eta e do seu regresso da política à bomba (vale a pena reler um artigo de António Vitorino de há quinze dias sobre o tema - aqui - ) - que agrava com declarações incongruentes em que, por um lado evoca o cessar-fogo, por outro recorre ao sistema premeditado da matança pela bomba - querendo assim gerar um clima de confiança com o Estado e a sociedade espanhola. Assim, esta gente não deve ser levada a sério e nem lugar à mesa das negociações deveria ter.
Depois a visita de Cavaco à Índia, em que se abrem muitas portas económicas, comerciais e culturais - pela potenciação das relações lusófonas no espaço luso-falante. Aqui Cavaco teve sorte, beneficiando do 1º doutoramento honoris causa pela Universidade de Goa - que contou com a resistência de "20 pessoas" (Flor dixit) - até parece o partido do táxi de PPortas; o site da Presidência da República - para seduzir a blogosfera e conta ainda com boa cobertura pelos media indianos.
Depois Marcelo disse o que pensava de Carrilho e da sua desistência de vereador na CML, foi irresponsável, assim como foram as declarações de Cravinho-filho já aqui tratadas em reflexões anteriores. Quanto aos vôos da CIA explicitou a tolice e o feitio maoista de Ana Gomes, e eu até pensei que se referia a Durão barroso, dado corresponder melhor a esse perfil. Mas Marcelo foi cauteloso e não estendeu essa sua apreciação a durão, o que prova que Marcelo poupa sempre alguns amigos, e é aqui que o seu campo analítico começa a ficar vulnerável, perde abrangência, fica falho de empiricidade. Posto que se Marcelo quisesse ser sério deveria enquadrar o assunto num plano mais amplo, o que o obrigaria a enquadrar o tema ao nível do trabalhinho (e das suas verdadeiras motivações...) da tal Comissão eventual da UE presidida por Carlos Coelho - que mais não é do que um apaniguado de Durão barroso. Portanto, o medo, a pressão, a angústia de que Marcelo fala deve reportar-se, certamente, a estes figurantes menores da UE: Durão e Coelho, mas também Paulo Portas.. - foi pena não os ter citado e enquadrado devidamente. E é aqui que Marcelo perde credibilidade analítica e profundidade intelectual no tratamento das questões atinentes às Relações Internacionais - onde muito poderia aprender e muito, por exemplo, com António Vitorino.
Pelo meio houve mais uns peanuts da semana, mas devemos aqui ressaltar a sua crítica à missa de acção de graças convocada pelo sr. paulo Macedo na qualidade de Dg, e não de cidadão comum. E aqui Marcelo nada disse de novo que a Blogosfera não tivesse já tratado duma forma mais profunda e rigorosa. Manter o sr. Macedo é um reconhecimento do atavismo da AP, da sua incapacidade em recrutar os melhores e da ausência de serviço público. Nada de novo, portanto. Mas fica o seu recado à necessidade de reformar a AP, coisa que também já sabíamos e é velha como o tempo.
Resumindo: um dos objectivos do analista é seleccionar um conjunto de factos ao qual confere relevância factual, política, intelectual e epistemológica e avaliar causas e efeitos e, se possível, compará-los com o que se passa noutras latitudes para assim podermos aferir como marcha Portugal na balança de poderes da Europa e do mundo. Mas nesse exercício, e quem somos nós para ajuizar aqui aquele que é tido por alguns como "o melhor" analista nacional!!! (o melhor, credo!!!!), Marcelo tem vindo a perder qualidade, profundidade, abrangência, ou seja, está a tornar-se num analista perigosamente previsível...
Alguns amigos que respeito no plano intelectual já me dizem que há muito deixaram de ver a missa de Domingo de Marcelo porque já conhecem a sua agenda-setting e em quem vai bater ou os pontos de vista que vai aflorar e a forma como o irá fazer. Confesso que isto para mim é triste, dado que me habituei a ver nele uma agilidade mental e, sobretudo, de efeito supresa que hoje manifestamente não existe. Daí a minha relativa frustração, e hoje sou obrigado a dar razão aqueles amigos quando dizem o que dizem.
Esperemos que o tal decréscimo de qualidade de análise não (nos) remeta para o decote de Flôr...