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Portugal, a Índia e as mudanças no mundo

Portugal, a Índia e as mudanças no mundo (link) Francisco Sarsfield Cabral Jornalista A economia domina a visita do Presidente da República à Índia. É natural: o crescimento económico da Índia acelerou espectacularmente desde a liberalização promovida em 1991 pelo actual primeiro-ministro, M. Singh (então ministro das Finanças). Na Ásia só a China cresce mais, mas a Índia aproxima-se, com taxas de quase 9% ao ano.
A expansão económica indiana não assenta na mão-de-obra barata, mas na tecnologia. O primeiro grupo siderúrgico mundial, três vezes maior do que o rival mais próximo, pertence ao empresário indiano L. Mittal, que em Junho comprou a siderurgia europeia Arcelor, com sede no Luxemburgo.
É sobretudo nos serviços que a Índia tem o seu motor económico. Com grande número de profissionais qualificados, sabendo falar inglês, a Índia detém já dois terços do mercado mundial de outsourcing nos serviços informáticos, isto é, de tarefas (como facturação, contabilidade, etc.) que empresas de todo o mundo mandam executar no exterior por via electrónica.
A maior democracia do mundo começa, assim, a mostrar como um país pobre pode beneficiar da globalização. Mas a Índia é ainda muito pobre. O PIB por cabeça dos indianos é menos de metade do PIB dos chineses. Ainda estão na agricultura dois terços da população activa da Índia. Numa população de 1,2 mil milhões, 700 milhões vivem no limiar da miséria e 260 milhões sobrevivem com menos de um dólar por dia.
A pujança do sector moderno da economia indiana, concentrado sobretudo em Bangalore, permite, no entanto, esperanças de melhoria. É sobretudo por isso que esta visita de Cavaco Silva representa uma aposta no futuro.
Mas é também oportuno recordar um pouco do passado das relações políticas entre Portugal e a Índia, porque elas tiveram um papel importante (e algo esquecido) na História recente do nosso país.
Em 1947, a independência da predominantemente hindu União Indiana (como então era designada) levou a uma sangrenta separação do Paquistão, predominantemente muçulmano. Para o regime de Salazar, o novo país indiano surgiu como uma ameaça - a prazo, em relação aos territórios de Goa, Damão e Diu; e, quase imediatamente, quanto à presença de padres portugueses na Índia.
Presença patrocinada pelo Governo de Lisboa, no quadro do Padroado do Oriente, elemento do sistema colonial português naquela área. Por exemplo, além de Goa, havia bispos portugueses em Cochim e Meliapor, dioceses indianas então integradas no Padroado.
Com a Índia independente, tal situação era insustentável. Não só porque Nehru não a aceitava, como porque ela não convinha à evangelização de uma igreja universal, confrontada com novos países independentes que emergiam da descolonização.
Por isso a "questão indiana" envenenou as relações do regime salazarista com o Vaticano, atingindo a crise o ponto mais alto aquando da visita de Paulo VI a Bombaim em 1964. Foi, aliás, manifesta a incomodidade de Salazar com o aggiornamento do Concílio Vaticano II. Assim enfraqueceu parte da inicial base política de apoio a Salazar, os católicos, como é muito bem descrito no livro de Bruno Cardoso Reis Salazar e o Vaticano (ed. ICS).
Entretanto, a invasão de Goa pela União Indiana em 1961 marcou o início, forçado, da descolonização portuguesa. Também aí Salazar se recusou a encarar as realidades, exigindo um absurdo holocausto aos militares portugueses então nesse território, mas não lhes dando um mínimo de meios para o combate.
Um desses militares, o agora general Mário Jesus da Silva, escreveu: "Se o velho regime não foi capaz de negociar um estatuto que nos garantisse uma ligação privilegiada a Goa, muito menos teve a lucidez suficiente para construir uma solução a prazo, pacífica e negociada, no caso dos outros territórios" (Sortilégio da Cobra, ed. Ésquilo).
Habituados a associar a descolonização apenas a África, tendemos a esquecer que ela começou na Índia. A cegueira do regime e a própria revolta dos militares já aí estavam presentes.
Nada disto impede, como é óbvio, que hoje Portugal desenvolva excelentes relações com a Índia. Tais relações mostram, pelo menos, que as autoridades democráticas portuguesas perceberam que o mundo mudou e que a Índia será, se não é já, uma grande potência, até económica. Ora perceber - ou querer perceber - as mudanças no mundo não era característica do regime não democrático que nos governou até 1974
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  • Obs: Mais um lúcido artigo do n/ amigo Francisco que faz a ponte entre o tempo que passa.