sábado

Mário Sá-Carneiro, breve evocação

O Sá-Carneiro não teve biografia: teve só génio. O que disse foi o que viveu.

Fernando Pessoa

Isto assim não é nada, razão por que teremos de enquadrar este génio incompreendido das nossas letras. Quando se suicidou, Pessoa, seu grande amigo, disse:

- Ah, meu amigo, nunca mais

Na paisagem sepulta desta vida

Encontrei uma alma tão querida

As coisas que em meu ser são as reais".

Dias antes do suicídio Mário Sá-Carneiro enviara a pessoa o manuscrito do seu livro inédito de poesias Indícios de Oiro para que o amigo o publicasse, onde e quando lhe parecesse melhor.

Cursa Direito por 3 meses, dirige o 2º número do Orpheu, depois foge para paris, sem deixar rasto. Lá chegado, escreve a Pessoa, dizendo que aguarda a resposta do pai pedindo-lhe que lhe remeta urgentemente o produto da venda de Céu em Fogo.

Daí em diante as suas cartas a Pessoa se tornarão mais reveladoras do estado de angústia e desalento que o levará ao suicídio. Sente-se só: a mãe faltara-lhe desde cedo, o pai está em África, o avô e a velha ama estão em Portugal. Agarra-se ao amigo que o compreende e confidencia-lhe uma suspeita que o assalta e se transforma em certeza.. "Creia meu pobre Amigo: eu estou doido. Agora é que já não há dúvidas. Se lhe disser o contrário numa carta próxima e se falar como dantes - você não acredite: o Sá-Carneiro está doido. Doidice que pode passear-se pelas ruas - claro. Mas doidice" - diz.

O que aqui se procura sublinhar é como os génios chegam até aqui, à antecâmara do fim. Sá-Carneiro tem, pois, consciência das engrenagens da vida, as mesmas que o esmagam, mas nada consegue fazer para reagir. É tão belo fazer asneiras, - diz.

E em 1916 toma a decisão fatal e suicida-se. Mas já em 1913, os seus versos diziam:

- Falta-me egoísmo para ascender ao céu,

- Falta-me unção p'ra me afundar no lodo.

Quantos de nós não sentiram já isto?! Mesmo não sabendo contornar os escolhos da vida, este pobre menino que foi Mário Sá-Carneiro - um "irmão" de Pessoa - inadaptado, irrealizado, acabando por destruí-la - matando-se. O poeta não deixa de ser um poeta cimeiro das nossas letras, uma luz permanente aqui para o Macro, razão por que evocamos aqui a sua memória e, en passent, também a do seu maior amigo, Fernando Pessoa.

Tão unidos na desgraça como no génio. Genialmente triste. Mas que podemos hoje fazer senão aprender, lê-los, evocá-los e, já agora, nunca nos suicidemos, porque a meretriz da vidinha e o tempo-ditadorzeco que nela flui encarrega-se bem dessa empreitada, especialmente para aqueles que ainda julgam escapar ao juízo final.