segunda-feira

O aborto: o caso Norman McCorvey (Jane Roe)

Agora que em Portugal se discute o aborto urge introduzir no debate o factor Norma McCorvey (Jane Roe), até porque desconfiamos que Sócrates andou a ler o Levitt, e bem, para afinar algumas das suas tomadas de posição. Mas vejamos os contornos deste paradigmático caso ocorrido no Texas, em 1970, e o desfecho que ele acabou por ter, revelando que a vida é uma permanente caixa de Pandora.
A América estava confrontada com a criminalidade nas ruas na década de 90, mas o problema já vinha de trás. Daí a evocação aqui deste caso e dos eventuais ensinamentos que poderão extrair-se para o nosso País - que ora mergulha no útero dessa discussão. O problema decorre do facto de uma senhora de Dallas, Norma McCorvey, querer fazer um aborto. Então tinha 22 anos, era pobre e sem educação, e para ajudar à festa ainda era alcoólica, toxicodependente e já tinha dois filhos - que dera para adopção. Nessa altura (1970) Portugal ainda não era uma democracia, mas Norma teve o azar de engravidar novamente.
Sucede, porém, que no Texas o aborto era uma prática ilegal, como na generalidade dos Estados da federação norte-americana. Mas a causa de Norma, quiça pela paixão que então despertara na opinião pública, foi adoptada por pessoas influentes que a quiseram ajudar e que, de algum modo, se reviam na sua aflição ou partilhavam dos seus objectivos. Embora também houvesse outras pessoas influentes (de pendor conservador) que se opunham frontalmente a essas práticas ou à modificação da lei que viabilizasse o aborto. Assim sendo o conflito instalou-se, e tinha em Norma a litigante necessária para levar por diante uma acção judicial que visasse legalizar o aborto, como ora se faz em Portugal.
O réu era um tal Henry Wade, Procurador do Distrito de Dallas, sendo que o litígio acabou por subir ao Supremo Tribunal de Justiça dos EUA, tamanha a relevância que o problema assumiu, o que levou até Norma McCorvey a adoptar - por razões de segurança - o pseudónimo de Jane Roe. O processo judicial transcorreu, e o que é certo é que em Janeiro de 1973, o Supreme Court julgou em seu favor, permitindo que o aborto fosse considerado legal em todo o país. Naturalmente, dada a natureza das coisas, que então Norma acabou por ter mais uma criança (para adopção), visto que à altura vigorava a lei existente que proibia o aborto. Mas foi por sua acção que se desencadeou todo esse processo de legalização do aborto por que a sociedade portuguesa, mais de 30 anos volvidos, está hoje em vias de perseguir.
O mais curioso de toda esta triste história é que anos mais tarde Norma renunciaria à sua antiga posição a favor da legalização do aborto, e torna-se activista dos movimentos pró-vida. Um pouco como a dona Zita quando era militante do PCP - defendia o aborto, hoje instalada no PsD assume outra posição, a posição de trânsfuga político-ideológica que não merece nenhum crédito.
É claro que não nos interessa aqui, como brilhantemente faz o economista Levitt, correlacionar a legalização do abordo na sequência do caso Norma, para explicar a queda da criminalidade nos EUA. O que nos importa aqui é verificar como evoluirá esta situação em Portugal, na certeza de que até às 10 semanas a interrupção pode-se fazer, e tem no PM Sócrates uma posição entusiástica.
Esperemos agora que ele não faça como Norma McCorvey, i.é, quando sair do governo não irrompa pela Av. da Liberdade de braço dado com as representantes do beatério eclesial do costume defendendo de punho em riste a ilegalização do aborto - reabrindo outra caixa de Pandora na sociedade portuguesa. É que Portugal já tem tantos problemas, juntar-lhes mais este seria...
A senhora - na foto - está hoje em Portugal e tem muita história para contar...
Publ. aqui a 17 de Out.2006