sábado

Mediacracia e interesse público. Areia por entre os dedos

Uma das principais questões que se colocam à modernidade é a fixação de um conceito amplo que permita dizer, a cada momento, o que é ou não é o interesse público numa dada sociedade. Isto envolve estudar a conduta dos media e a forma como escolhem e integram as notícias que veiculam no quadro do seu projecto/empresa de informação. Em Portugal, confesso, não vejo grandes diferenças entre as estações de tv na preocupação em nivelar por cima. Antes pelo contrário... Tudo se torna demasiado previsível. Qualquer escândalo vende, e venderá mais se envolver figuras do meio da futebolítica.
Vejamos dois exemplos comezinhos: um da esfera política, outro da esfera social e desportiva de contornos mais grotescos. Ou seja, que interesse para o país existirá na contratação de sLopes pela tsf para aí dizer umas banalidades mais ou menos previsíveis?? Da minha parte, que até já deixei de ouvir a respectiva rádio, não há aí qualquer interesse público, não obstante o interesse da rádio na contratação daquele figurante da política lusa que atrasou o país como hoje durão barroso paralisa a Europa. Por outro lado, que interesse público existirá na divulgação massiça do escândalo resultante da edição do livro - Eu, Carolina que visa Pinto da Costa e meio mundo do futebol e da corrupção generalisada que, alegadamente, aí grassa e cujos actores também são há muito conhecidos.
Introduzimos aqui uma nota que não deixa de ser curiosa, é que o livro de carolina já esgotou, e no Norte do país já se fazem fotocópias do respectivo livro, o qual depois é vendido por mais do dobro do preço. Isto também é um traço de Portugal... para fazer dinheiro vale tudo.. Até fotocópias.
Mas urge retormar o fio à meada, que é o de afinar o conceito de interesse público, que não deixa de ser sempre ao mesmo tempo simples e controverso. A justiça, a democracia, os valores culturais ligados ao pluralismo - são guias, padrões mínimos que indicam as condutas a seguir, embora nem sempre atendíveis pela dita mediacracia.
No fundo, e no plano da sociologia da informação, que é onde esta questão científicamente se deve colocar, o Interesse Público (IP) envolve sempre uma expectativa positiva, assim como também sugere restrições e formas de responsabilidade. Níveis esses que ditarão, a cada momento, aquilo que deve (e não deve) ser publicado. Mas esta definição não nos leva longe na realidade que desejamos capturar.
E é aqui que começam os problemas para os media, um pouco como a manta do Bocage, pois quando tapamos os pés, destapamos a cabeça, e quando tapamos a cabeça... I.é., nem sempre o tão proclamado IP ditado pelos media é estabilizado em função dos verdadeiros interesses do público, mas observam critérios "out$os". Isto sucede porque o aparelho decisório da mediacracia instalada em Portugal - muito oscilante e dependente do governo que está em funções (que nomeia A, B e C para as direcções) - segue critérios políticos, socioprofissionais, culturais diversos daqueles que, efectivamente, as audiências/telespectadores seguiriam num dado momento e por referência a um certo caso-problema. E, não raro, áquela concorrência de factores ainda se soma mais um - na definição do conceito de IP - baseado, obviamente, na realização do maior lucro possível por parte das empresas de media.
E é aqui que reside, não raras vezes, o soit-disant Interesse Público, preso aos fios comerciais como se duma fábrica de salsichas se tratasse. Nem que para isso uma qualquer estação tenha de dizer que o que é bom para ela é bom para o país, como faziam os EUA nos post-II Guerra Mundial (para exportar a democracia) com a fórmula - What is good for General Motors is good for America. Era a chamada doutrina da harmonia dos interesses sistematizada por um dos mais brilhantes historiadores do séc. XX - chamado Edward Hallet Carr, também especializado em sovietologia.
Mas é de admitir que o IP seja o resultado da mitigação de todas aquelas variáveis, embora com a predominância das questões comerciais, sendo que o limite é a lei. E em alguns casos, como sucedeu amiudadas vezes com a estação de Balsemão - violava-se clara e ostensivamente a lei porque se sabia antecipadamente que os ganhos em share e Pub. seriam suficientes para pagar as coimas previstas na lei. Esta era a doutrina-balsemão para a sua estação durante tempos, não sei se a prática entretanto mudou porque raramente vejo tv. E tirando o dr. House, e uma outra entrevista, nada me chama para lá que me fixe mais de 10 min.
Estou certo que hoje os projectos informativos são sempre atravessados por questões de sobrevivência económica, e isso subtrai muita credibilidade, isenção e independência informativa às empresas de media. A RTP que é paga com os nossos impostos, e sabe deus, quantos mais as outras.. Mas a questão mantém-se: como e onde correlacionar o IP com os princípios e normas éticas que deveriam pautar a produção de informação dos media em Portugal? Confesso que por vezes procuro-procuro e só encontro sapos disfarçados de jornalistas de micro na mão, como quem vende peúgas alí na Feira de Carcavelos ou no Relógio, numa versão mais pelintra...
Chego à conclusão que encontrar o IP é tão difícil como encontrar uma agulha num palheiro, sendo que esse palheiro é a montra do mundo imperfeito e impuro que temos. O caso da contratação sLopes pela tsf e agora o caso Carolina salgado, com naturezas diferentes e trajectos obviamente distintos, mas depois acabam por recolher dos media uma atenção verdadeiramente desmesurada relativamente ao interesse que efectivamente têm. Mas também isto é relativo, especialmente no caso Carolina, dado que a partir dela tipos como Valentim, madail, Pinto das Costas e outros alegados corruptores do mundo podre do desporto em Portugal, poderão ter de ser julgados e setenciados. Oxalá tal possa decorrer em nome da verdade desportiva. E se o IP funcionasse nessa instância já me daria, como mero cidadão, por muito satisfeito.
O IP não deverá ser cegamente fixado pela regra da maioria dos consumidoeres e das leis do mercado, porque as maiorias enganam-se frequentemente e o dinheiro nem sempre é o melhor barómetro e/ou conselheiro. Mas, ao mesmo tempo, a fixação desse critério acerca do que é ou não é IP também não pode ficar à mercê de corpos elitistas - que só afirmam interesses ideológicos fortemente segmentados em torno de questões nem sempre abrangentes. Portanto, nem o mercado massificado da primeira, nem o elitismo da segunda nos deixam com uma visão confortável acerca do poderá ser um conceito eficiente de IP. Caímos no impasse...
Daí a questão: como rompemos esse impasse e escolher, a cada momento, a cada circunstância a melhor e mais saudável regra definidora de IP? Creio que respeitar o limite da lei é sempre uma definição curta e sabe a pouco. Definir ad hoc uma regra para cada caso também fragiliza a doutrina e não credibiliza uma orientação estratégica a seguir por parte do público. Assim sendo, e em nossa opinião, aquilo que está no justo meio, no justo equilíbrio é ainda o mais sensato. E o mais sensato é tocar as cordas do common sense - um misto de razão e de bom senso que - no caso Carolina assume tamanha relevância na medida em que será por via da sua acção (o livro) que muitas outras coisa ligadas ao mundo da corrupção da arbitragem em Portugal se irão conhecer, depois é só apurar os factos, fazer as devidas provas, julgar e sentenciar.
Numa palavra: neste caso o IP é fazer justiça, aplicar a lei, nem que para isso a srª Carolina tenha que ser levada ao colo alí para o Mosteiro dos Jerónimos e aceitar a ideia de que foi ela quem mandou construir o monumento. Neste caso, a dita carolina não será mais do que uma peça processual duma engrenagem altamente oculta - e que - pela natureza das coisas - se encobre entre si para se proteger. Aliás, e para concluir esta digressão à justa definição do IP, num certo Prós & Contras os srs Valentim e madail - encobriram-se mais um ao outro do que se tornaram transparentes, e eles lá saberão como e porquê. E parece que nesse dia o trio só não ficou completo - com a chegada do sr. Pinto da Costa - porque não se reuniram as devidas condições de segurança exigidas por uma das partes...
Tudo visto e somado diremos que o Interesse Público é aquele que está previsto na lei, mas que não dispensa o nosso common sense - de realismo, racionalidade, integralidade, honestidade e de coerência. Tudo isto com competência profissional e liberdade de consciência, mesmo sopesando que entre as regras do mercado ditadas pelas receitas da Pub. e a concepção paternalista do IP - existe um longo caminho pelo meio. Um caminho povoado pelos valores do pluralismo, da liberdade de expressão, da diversidade de informação e de fontes, da qualidade da informação e da cultura disponível para a validar, do respeito pelo sistema judicial e, acima de tudo, pelo respeito do indivíduo e da generalidade dos direitos humanos. Coisa que o sr. Pinto da Costa não parece, de todo, respeitar.
Bem vistas as coisas, e face à luz dos dados disponíveis, tenho a convicção que aquele "trio de Odemira" - Pinto da costa, valentim e madail - ainda acabam por ver o sol aos quadradinhos. E isso até é bem capaz de suceder mais cedo que do que supomos. Ora, neste caso, será aqui que reside o Interesse Público, na medida em que, a ser assim, e provando-se os factos alegados previstos naqueles inúmeros indícios de corrupção e de ilícitos que configuram crimes vários, a sociedade vê-se livre duma associação de malfeitores que há décadas corrompe a sociedade portuguesa através das estruturas desportivas que dirigem.
É nestes casos que o Interesse Público deveria ter plenos poderes, porque assim poderia logo meter as pessoas na cadeia. Mas isso também não seria justo. Justo é levá-los à justiça, e depois julgá-los e puni-los (ou absolvê-los, se for caso disso), o que eu não acredito. Neste caso o IP rima com Justiça. Havendo justiça também se cumprirá o Interesse Público.