O cabaret da globalização
Quando se lê o Globalidades - pela pena do seu corpo Editorial - que deve mandar balanço, começei logo por ficar preocupado, pois dizem por aí que a globalização (agora na versão ciber-virtual) configura uma associação de malfeitores (especialmente os anónimos, como diria o nosso amigo MST, que, apesar de tudo, é, de longe, preferível ao srº Calos Espada) - e divide mais do une. Ou nuns casos divide mais do que noutros. Aqui, porém, parece-nos fazer convergir mais as pessoas - ainda que na sua diversidade - do que isolá-las nas suas ilhas cheias de coisa nenhuma.
Contudo, faz-me espécie como é que estando toda essa boa gente nos "brasis" conseguem de lá mandar telegramas destes, a que chamam "globalidades" - como que a avisar que a Dona Rosa chegou a Stª Apolónia no comboio da Beira-Baixa. Ora quanto muito, em vez de globalidades, os vossos telegramas, salvo melhor opinião, deveriam mais apropriadamente designar-se por "tropicalicalidades" - denunciando o ecosistema da sua origem... Com isto não se está a sugerir que pressionemos o LL a levar a máquina da Regisconta a fim de se fazer outro blog com esse nome...
Apenas pretendo reconhecer como é que esta "traquitana" comprime o espaço e o tempo quase à velocidade da luz, gerando e multiplicando conhecimento de forma não menos rápida, e nos "encapsula" numa transformação tal que já não sabemos qual é a nossa verdadeira condição. Dado que a história, a geografia, o saber, o mapa-mundo - todas essas variáveis entre Ocidente e Oriente, realidade e imaginário, liberalismo e evolucionismo, materialidade e espiritualidade se confunde, confundindo em nós todas essas percepções. Até porque agora, como nunca na história da humanidade, a realidade tem primeiro existência no espaço do virtual, só depois se materializa.São, pois, cartografias desesperadas que nos obrigam a redesenhar os espaços e os timigs de resposta às nossas próprias necessidades de conhecimento, trabalho e lazer.
E o globalismo deve ser isso mesmo: caipirinhas no Brasil, biquinis no horizonte, boa vida, vida boa, vidas, mas também pode e deve ser visto como essa tal configuração histórica-social no seio da qual se movem os homens e os grupos, as nações ou as nacionalidades, compreendendo aqui os grupos sociais ditos normais (e também os terroristas, maior ameaça do nosso tempo), as tribos, os clãs com as suas formas de vida e de trabalho, com os seus costumes e instituições, com os seus padrões e os seus valores. Juntamente com todas estas peculiaridades de cada um desses actores no sistema - é que se manifestam as tais globalidades - que são, em rigor, configurações em movimento, elásticas para, precisamente, poderem absorver essas realidades económicas, sociais e culturais tão diversas (senão mesmo contraditórias) que emergem e se dinamizam com a globalização do mundo, ou a formação da também chamada sociedade global..
Daí resulta que o globalismo é um produto e condição de múltiplos processos sociais, políticos, económicos e culturais que depois aparecem, sintetizados no conceito-abrigo de globalização, mais impreciso e difuso. É uma realidade que é sempre construída através do jogo complexo de forças actuando em diferentes níveis da realidade, alinhando os níveis local, nacional, regional e mundial. E de como esta nova relação tem importância ao nível das ameaças e dos perigos que hoje mais fácilmente - pelas natuteza das coisas - rasgam as fronteiras.
Mas quando vi no globalidades aquele ambiente de praia, cocada, lazer, turismo e boa vida... lembrei-me que a globalização não passa mesmo dum cabaret que nos impõe mercados, conceitos e lógicas de vida a que os desgraçados dos velhos Estados já não conseguem regular, nuns casos porque não têm conhecimento, noutros porque não dispõem de recursos materiais - ou uma coisa e outra.
E é nesse cabaret da globalização em que vegetamos todos, como dizia Bauman com alguma piada. Posto que o Estado entrou na dança e faz hoje - diante de todos - um despudurado strip-tease e no fim da performance deixa as populações agarradas às necessidades mais prementes: os poderes de repressão do Estado (e fiscais, acrescentou eu). Com a sua base de poder destruída, até a soberania do velho Estado e a sua independência são neutralizadas, as suas elites anuladas, e o velho Estado-nação transforma-se assim num simples serviço de vigilância das grandes multinacionais.Pensando bem, talvez o melhor seja mesmo regressar para o Brasil e disfrutar (lá) desse tal cabaret da globalização. Com cocada e muito horizonte a dar pasto à vista e boas ondas...
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