segunda-feira

"O amor é o que nos resta do sagrado", Mário Cesariny

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Mário Cesariny morre aos 83 anos.
O poeta e pintor Mário Cesariny morreu hoje de madrugada em sua casa, em Lisboa, cerca das 05h30, aos 83 anos.
Cesariny destacou-se pela produção artística variada. Pela pintura, colagem, poesia, humor e música passaram as mãos irrequietas e experimentalistas do artista.(...)
Mário Cesariny nasceu em1923 em Lisboa e começou o seu percurso na área do neo-realismo. Pintor e poeta, frequentou o Liceu Gil Vicente, o primeiro ano de Arquitectura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e a Escola de Artes Decorativas António Arroio, além de ter estudado música com Fernando Lopes Graça.
Quando partiu para Paris, onde estudou na Academia de La Grande Chaumière, teve um encontro que marcaria a sua vida e obra. André Breton, fundador do movimento surrealista francês, entrou na vida de Cesariny em 1947 e com ele o surrealismo.
Quando regressou a Lisboa, Mário Cesariny já integrava o Grupo Surrealista de Lisboa e o movimento tê-lo-ia daí em diante como um dos seus principais embaixadores portugueses.
O Grupo Surrealista de Lisboa era formado por António Pedro, José-Augusto França, Cândido Costa Pinto, Marcelino Vespeira, João Moniz Pereira e Alexandre O'Neill e servia para protestar contra o regime político vigente em Portugal e contra o neo-realismo.(...)
Nas suas obras, adoptava uma atitude estética caracterizada pela constante experimentação e praticou uma técnica de escrita e de pintura muito divulgada entre os surrealistas, designada como "cadáver esquisito", que consistia na elaboração de uma obra por três ou quatro pessoas, num processo em cadeia criativa, em que cada um dava seguimento, em tempo real, à criatividade do anterior, conhecendo apenas uma parte do que aquele fizera.
Primeiro, dedicou-se à pintura de forma ocasional e, a partir de certa altura, de uma forma quase exclusiva, tendo deixando de lado algumas facetas do seu talento: primeiro, deixou de tocar piano, depois, foi a vez da escrita - "secou", dizia. Quando lhe perguntaram uma vez se não sentia necessidade de escrever, respondeu: "Nenhuma. Para quê? A quem?"."A poesia foi um fogo muito grande que ardeu. Depois ficaram as cinzas. Não sou capaz de fazer versos porque sim. Acabou", declarou, no documentário "A utografia" (nome de um poema seu), realizado por Miguel Gonçalves Mendes em 2004, o único feito sobre a sua vida e obra.
"Sou um poeta bastante sofrível, um grande poeta numa época em que o tecto está muito baixo", "sem Anteros, Pessanhas ou Pessoas", e em que "o surrealismo foi transformado em museu", afirmou.(...)
Para Cesariny, homossexual assumido, o amor era "um desmesurado desejo de amizade", em que "o outro é um espelho sem o qual não nos vemos, não existimos", e "a única coisa que há para acreditar"."[É] o único contacto que temos com o sagrado. As igrejas apanharam o sagrado e fizeram dele uma coisa muito triste, quando não cruel. O amor é o que nos resta do sagrado", defendia.
Da sua obra, fazem parte títulos como "Corpo Visível" (1950), "Manual de Prestidigitação" (1956), "Pena Capital", "Nobilíssima Visão" (1959), "Antologia Surrealista do Cadáver Esquisito" (1961), "A Cidade Queimada" (com arranjo gráfico e ilustrações de Cruzeiro Seixas, 1965), "Burlescas, Teóricas e Sentimentais" (1972), "Primavera Autónoma das Estradas" (1980), "O Virgem Negra. Fernando Pessoa Explicado às Criancinhas Nacionais & Estrangeiras por M.C.V." (1989) e "Titânia" (1994).
Sobre as sessões para que o convidavam e em que o aplaudiam, o poeta comentava: "Estou num pedestal muito alto, batem palmas e depois deixam-me ir sozinho para casa. Isto é a glória literária à portuguesa".
Em 2005, recebeu as duas únicas distinções da sua carreira: o Grande Prémio Vida Literária APE/CGD, pelo conjunto da sua obra, e a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, que lhe foi entregue pelo então Presidente da República Jorge Sampaio.
Nos últimos anos de vida, desenvolveu uma frenética actividade de transformação e reabilitação ou "redenção" do real quotidiano, da qual nasceram muitas colagens com pinturas, objectos, instalações e outras fantasias materiais."Gostava de ter daquelas mortes boas, em que uma pessoa se deita para dormir e nunca mais acorda", afirmou em "Autografia".

Nota póstuma do Macro:

Não sendo um adepto da sua maneira de ser e de estar - que respeitamos - queremos aqui prestar singela homenagem a um criador de cultura, de arte, de conceitos, a um subversor do que está - trazendo algo de novo. Nesse sentido, Mário Cesariny foi um inovador incessante que esteve à frente do seu tempo. Mas como era um homosexual assumido talvez nem todos os secretários de Estado da Cultura e até ministros da pasta - e indivualidades do Estado com relevo na área se fizeram representar. Nestas questões da Cultura os agentes políticos que tiveram tutela na área ainda não conseguiram fazer uma distinção simples: cultura é cultura, costumes e modos de vida à parte...