quinta-feira

Afinal, o romancista Júlio Dinis era politólogo...

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Quem já não se lembra das Pupilas do Senhor Reitor, A Morgadinha dos Canaviais do escritor "Júlio Dinis" - que navegou entre o romantismo e o realismo e que teve uma vida curta porque a tuberculose ceifou-lhe a vida cedo. Apesar de ser um romancista de transição - sem a estatura dum Eça ou dum Camilo - a sua importância não deixa de relevar para a nossa literatura e, como veremos, para o nosso sistema de Ideias, de Instrumentos e de Comportamentos Sociais - que agora começam a ser reavaliados e reconstruídos pela sociologica e politologia contemporânea.
Como? Pelo método biográfico, pela histórias de vida e pelas memórias que as sociedades vão sedimentando dos agentes políticos, sociais e culturais daqueles que, directa ou indirectamente, tiveram importante cargos na vida pública. Desta forma é da maior utilidade reproduzir aqui uma passagem dos Serões da Província em que Júlio Dinis, talvez sem querer deixa um legadi epistemológico impressionante que pode ser aproveitado pelas Ciências Sociais e Humanas.
Vejamos essa importante passagem datada do séc. XIX - que o tempo não apaga:

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Ao lado da biografia exacta de um indivíduo, ainda dos mais obscuros, o povo refere de ordinário outra, menos documentada talvez, porém sempre mais curiosa. Com olhar perscrutador, penetra no seio das famílias, a descobrir aí factos recônditos, pequenos incidentes da vida doméstica, onde, mais fielmente do que na vida pública, se reflectem os caracteres e as índoles. Não julgueis que lhe basta a enumeração das batalhas, dos feitos brilhantes, dos serviços humanitários, dos actos civis do herói do dia; quer vê-lo em família, depois de despir a farda, a toga ou os arminhos, para envergar o modesto robe de chambre; aspira a devassar-lhe o modo de viver íntimo e a estudar-lhe os hábitos; obriga o personagem da história a representar diante si o papel de filho, de irmão, de amante, de esposo e de pai no drama da vida, e é então que mais interesse lhe excita, é então que aplaude; e, quando lhe falecem as informações, inventa, recorre ao inesgotável tesouro da imaginação, senão a alguma coisa de mais seguro.
Além desta sociologia do quotidiano (de que nos fala o sociólogo José Machado Pais - no post infra) que nos dá impressões, factos, imagens mais recônditas, nada há de melhor para conhecer alguém do que os pequenos incidentes da vida, no seu casualismo e contingência, fragmentos do viver íntimo das preocupações públicas e da forma como certos players subjectivam os assuntos da polis..
A 2ª ideia denunciada por aquele poderoso texto de Júlio Dinis, que nos recupera o método biográfio e das chamadas histórias de vida - tão importante para a história das pessoas quanto o é para a história das sociedades e dos Estados - resulta da advertência que Júlio Dinis nos faz, explicando-nos que para chegarmos a algumas conclusões sólidas sobre um determinado tipo de conhecimento teremos, forçosamente, de recorrer a essa tais biografias menos documentadas (ou cartografias desesperadas, como hoje se diria..), senão mesmo ocultas - que fizeram, fazem e continuarão a fazer o património social e político dos actores e dos agentes que operam nesse palco, povoando as instituições e (des)governando os países.
Ora, é precisamente esse senso comum (precioso) que Júlio Dinis nos dá, sobretudo se pensarmos em sistematizar a biografia política de actores e figurantes menores que capturaram o aparelho de Estado português desde 2004 - para atingirem objectivos meramente particulares e de ambição pessoal que nenhuma contrapartida deram ao interesse comum.
Nesta medida, os problemas que hoje se colocam às ciências sociais, e à Ciência Política em particular, decorre da resolução e integração destes "pequenos nadas", destes dilemas, destas omissões e mentiras na política que acabam por ser relevantes no quadro complexo (porque europeizado e até mundializado) da interpretação dos discursos do poder e as suas práticas efectivas, das suas promessas e das suas concretizações, do anunciado e do realizado, em suma, do texto e do contexto - entre o deliberado e determinado da nossa vida pública que hoje importa requalificar, investigar e sistematizar.
O objectivo é sempre o mesmo: desocultar o lugar da mentira na política e recolocá-lo no lugar da verdade entre os homens de bem que se efectivamente se preocupam com a polis global. Nunca nos podemos esquecer, na linha do que dizia Chateaubriand: que a ambição sem capacidade é crime...

Eis um método que se pode aplicar aos que andaram por aí até chegarem aqui; bem como aqueles irmãos-siameses que antes de chegarem aqui, andaram por aí...

E em Portugal, cremos, haverá ainda muitos "crimes políticos" por investigar e por julgar, especialmente se nos reportarmos a 2004 em diante...

  • Dedicamos este post aos sociólogos e politólogos portugueses que se esforçam por fazer um trabalho sério e, por maioria de razão, ao elemento seminal desta conclusão, o próprio Júlio Dinis - cujo trajecto de vida se pode ler aqui.