Quando um "burro" se tranforma num "cavalo" - um Fiat num Ferrari -
A semana passada falava com um catedrático em Ciência Política, e nas teias dessa conversa lá veio o assunto do Jumento à baila. Aí houve quem dissesse que o dito espaço de reflexão já se tinha transformado num "vício" na sociedade portuguesa, com um estilo forte, um humor característico que marca a agenda mental, as conversas (formais e informais) da alta, média e até baixa administração pública.
O Jumento, de facto, está em todo o lado, mora em cada écran, em cada monitor. Mas a sua importância não decorre de ter 1200 visitas/dia, isso também têm o Abruto ou Blasfemia, que são já blogs já conceituados no mercado da opinião em Portugal mas que se encontram, obrviamente, a anos luz da pérola que é o Jumento. E, confesso, desde já, que me estou perfeitamente nas tintas para os resultados ou as consequências que estas nossas palavras terão em matéria de república (cínica e hipócrita) de citações e de links. Conheço bem o esquema, e depois também não temos nenhuma crise de auto-estima ou problema de afirmação pessoal. O Macroscópio sabe exactamente quem é, donde vem e para onde vai. Mas o que aqui quero frisar é a razão - em profundidade - desta aceitação do Jumento na mente nacional. Isto também vem na sequência do que uma amiga (de longa data) ainda ontem me disse: aprecia o nosso espaço, mas verifica que cito muito o dito blog: quer em narrativa, quer em imagem.
Pois pudera... O sujeito adivinha-nos o pensamento, antecipa-nos a acção e, em parte, essa lógica também nos deixa algo desatinados. Por vezes, confesso, só me apetecia aqui era entrar no Editor do Jumento e apagar aquela estória toda e depois mandar-lhe uma carta com aviso de recepção dizendo que gostámos muito deste bocadinho, e, com umas citações de S. Cipriano à mistura e umas folhas de roseira ainda com cheiro fúnebre. Rematando com uma mensagem final: olhe o senhor tem feito um bom trabalho, mas volte a fazer tudo de novo, sim!!! E mande de novo as pw para podermos apagar tudo novamente daqui por 3 meses.
Bom, mas isto não se pode fazer, nem se deve fazer. Creio que o Jumento não tem os inimigos que o P.Pereira/Abrupto tem. Mas deve-se tentar perceber as razões que o levam a estar a anos luz à frente de tudo quanto é blog em Portugal. E não me vou reportar aqui à parte estética das imagens expostas, porque aí é verdadeiramente imbatível, reportar-me-ei só à parte narrativa e lógica.
De facto, aquilo que em nosso entender faz do Jumento o "Ferarri" dos blogs em Portugal, é a sua capacidade de construir narrativas sobre os factos com uma verdade (e rapidez) alucinante, com uma armação lógica consistente. Ou seja, pela forma como pensa e escreve, é possível ao cidadão (mais comum) - o "homem médio" (como diria o actual PGR) - correlacionar a proposição à representação lógica do facto(s) a que se reporta. De molde a que o leitor se reveja nela recuperando, ao mesmo tempo, toda a experiência intelectual. Este breve arranque situa essa correlação de forma admirável:
Depois lá vem a parte em que ilustra a teoria e a lógica com a dimensão histórica da política portuguesa. Fá-lo com um toque de justicialismo social, o que faz desse espaço um diamante da justiça social e equidade entre os homens de bem, uma alavanca em prol dos mais fracos e desfavorecidos, um pólo solidário e altruista. Enfim, um blog de denúncias e de causas. Cá vai um cheirinho:
Não há sinal de uma única luta sindical em empresas privadas, na banca (onde os lucros crescem na proporção inversa dos salários) o ambiente parece ser deharmonia, o único metalúrgico no activo parece ser Jerónimo de Sousa, dos heróicos trabalhadores rurais da reforma agrária só se ouve falar quando as autarquias os leva a passear de avião, na construção civil (onde vale tudo menos tirar olhos) vive-se em paz laboral. Os grandes sindicatos são agora os dos trabalhadores do Estado.(...)
Com um sentido de humor imperdível, queirosiano, já todos antevemos o dançarino Jerónimo a fazer o papel de "caixeiro-viajante", industriando os sindicalistas a fazer isto ou aquilo, a dizerem isto ou aqueloutro.
Depois cruza as motivações dos agentes, revela fraquezas dum empresariado e duma sociedade civil que mais parece a construção civil, pinta a manta da sociedade, do Estado e do empresariado e daí extrai um quadro geral do Portugal contemporâneo. Sinalizamos assim esse retrato pungente e lancinante deste nosso Portugal à beira-mar sepultado:
Os empresários portugueses, que nem são famosos pela inteligência, conseguiram derrotar o PCP e os seus sindicatos? A concentração de esforços do PCP nas estruturas do Estado resulta de um recuo e perda de influência no sector privado, de uma estratégia política ou dos dois fenómenos? É evidente que é mais fácil enfraquecer governos com greves na Função Pública do que em empresas privadas, que é mais fácil manter estruturas laborais com sindicalistas pagos pelo Estado do que em empresas privadas, que se tem maior protagonismo nos média provocando instabilidade no Estado do que com uma greve numa fábrica de parafusos da Moita. (...)
Depois, mais um camião de lógica, exprimindo a concatenação do enunciado de que partiu com os restantes enunciados aceites ao longo do texto - afinados como verdadeiros ou falsos à medida que o leitor tem a capacidade de ir correlacionando uns e outros, enquanto o significado estratégico da narrativa exprimirá toda a sua validação teórica. Ainda que a verdade seja sempre intersubjectiva, como dizia kant, e onde uns vêem candeeiros outros poderão ver cerejas ou borboletas. Vejamos um desses sopros e bater de asas:
Uma vez mais os factos falam por si, eles são o espaço lógico do nosso mundo que aqui faz um terrível sentido. Ler este espaço é, assim, como que arrumar peças num puzzle que, no seu conjunto, nos conduzem à identificação natural dos fenómenos (sociais e políticos) que aqui todos nós, cada um à sua maneira, procura identificar e retratar da melhor forma que pode e sabe.No Estado não há o risco de a fábrica fechar, nas traseiras do gabinete do ministro há uma imensa máquina de fazer dinheiro que trabalha dia e noite, os contribuintes suportam tudo, e quanto pior estiver a situação financeira maiores serão os motivos para desencadear lutas gloriosas. O Estado tem o patrão mais dócil e simpático, os contribuintes. Até que venha um governo de direita arrumar a casa, fazer tudo o que o Compromisso Portugal exige, e quase aposto que nessa altura vai suceder ao sindicalismo do Estado o mesmo que já sucedeu na privada. E no fim ainda consegue duas maiorias absolutas, como sucedeu com Cavaco Silva. É bom lembrar que quando a Manuela Ferreira Leite ameaçou avançar para os despedimentos dos funcionários, não faltaram sindicalistas a fazer xixi nas calças e a recomendar calma aos funcionários públicos.
Além de serviço público que em mais nenhum outro lugar se vê - de forma gratuita -, como referimos em Fev.-Março deste ano, isto é também o lugar do lógico, da razão e da genialidade onde o mundo se encontra os factos que o alimenta e as teorias e articulações que o explicam.
É por isso que este Jumento representa um lugar de verdadeira excepção no ciber-espaço português que não se pode comparar a mais nada senão a ele próprio. E o mais desconcertante é que o Jumento poderia ter só duas ou três vezes esses laivos de criatividade por semana, deixando o flanco aberto nos restantes dias e descer o nível tornando-se, desse modo, objecto de críticas. Mas, não senhor!!! Ele, como bom jumento que é, teima sempre em manter uma regularidade que escapa à lógica e ao aleatório na senda dessa excelência, o que ainda dá mais vontade de lhe apagar todos os registos e de lhe fazer chegar a tal carta com aviso de recepção dizendo que gostámos muito deste bocadinho!!!
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