sexta-feira

Direita e esquerda à luz do paradigma da GLOBALIZAÇÃO COMPETITIVA

Na reflexão anterior tínhamos deixado a ideia de que as Ideologias pertencem ao campo das narrativas do passado, e são hoje operadoas por comentadores profissionais que articulam uma imagem do passado com uma imagem do futuro, mas nenhuma dessas ideias é concreta, são construções intelectuais.

Nos outros países passa-se o mesmo, direita e esquerda passou a depender da avaliação dos resultados concretos e directamente comparáveis dos indicadores sociais e humanos de desenvolvimento com outros do mesmo tipo, ou seja, também aqui se trata de construções analíticas dinamizadas por instrumentos de medição desenvolvimentista que ocorre agora já no espaço globalizado, e não apenas no Continente europeu. Por conseguinte, quando há instabilidade ao nível daqueles indicadores de desenvolvimento ocorrem também efeitos de instabilidade no plano micro da interferência ideológica e, consequentemente, de vinculação partidária nos vários nacionalismos ideológico-partidários que hoje tentam redefinir a nova agenda acerca do que é a direita face à esquerda, ou o inverso.

Apesar de o Poder em Portugal ter consagrado uma regra d´ouro que visa cobrir todo o espectro politico-ideológico, i.é, quando se chega ao poder pela mão-sociológica da esquerda tende-se a governar ao centro e também à direita, quando se chega ao poder pela mão-sociológica do centro-direita procura-se governar nas margens da esquerda, assim tocam-se todos os cordéis da guitarra ideológica e potenciam-se as possibilidades de manutenção do poder por mais uma legislatura. Por conseguinte, todo o Poder aspira a essa ubiquidade no espaço ideológico, estando assim presente ao mesmo tempo e com a mesma intensidade quer à esquerda quer à direita.

O poder não tem ideologia e o único centro são os seus próprios nervos. Isto faz lembrar uma máxima oriunda de um senhor da alta finança, que já faleceu (mas deixou descendentes que andam por aí a financiar o abate de sobreiros e em sombrias ligações partidárias duma certa direita de paróquia e de sacristia, mas hipócrita...) que dizia que essa mesma alta finança é como uma meretriz, deve estar onde está o poder, seja de esquerda ou de direita. Ao fim e ao cabo todas essas diferenças pseudo-ideológicas esbatem-se automáticamente quando o "assalto" ao poder se consuma. Já não sei onde ouvi isto. Mas talvez quem me ler possa revisitar e precisar melhor aqui essa afirmação...

Aliás, atrevemo-nos mesmo a dizer que quando há efeitos positivos de modernização continuada nas economias nacionais essa velha questão direita vs esquerda nem sequer se coloca no espaço de análise. Ou, pelo menos, a sua vinculação ideológica é débil, para logo tornar a recrudescer quando os indicadores de crescimento económico se tornam desfavoráveis e as economias entram, sintomáticamente, numa dinâmica regressiva de perda potencial de modernização. É, aliás, o que hoje se passa em Portugal, daí alguma agitação de bastidores cujos sinais já chegaram ao Rizoma internético onde hoje me encontro, onde hoje todos nos encontramos em tempo real.

E quanto mais se acentuar esta separação entre tendências de modernização e tendências de marginalização, mais provável será que emirjam fenómenos de violência e de ressentimento social - alimentados pelos efeitos negativos da chamada globalização predatória que hoje, em rigor, só muito dificilmente se imputam à esquerda ou à direita, o que dificulta ainda mais a visibilidade na atribuição de "culpas" ou responsabilidades ao partido A ou ao partido B pelo facto de o país C não ir bem.

Creio, portanto, e no âmbito duma putativa discussão que poderá ocorrer na blogosfera entre o que é a direita e esquerda - como se deduz no editorial do Jumento de ontem - que as ideologias disponíveis não têm qualquer contributo a dar a estas novas linhas de conflitualidade que atravessam estruturalmente a sociedade nacional. Julgo que esta é mais uma conflitualidade primária ou primitiva e, por essa razão, anterior às construções ideológicas que fizeram os partidos no sécs. XIX-XX.

Mas o grande drama com que hoje direita e esquerda estão confrontadas deve-se à dificuldade que muitas das propostas ideológicas comportam, as quais depois não conseguem superar o seu próprio nível de promessas, e ao não superarem aquilo que elas próprias prometeram às sedes de apoio sociológico (ou seja, às populações que acreditaram nelas) estão, na prática, a basear toda a sua fundamentação em previsões de programas políticos e ideológicos, em avanços e progressos materiais de civilização e de bem-estar que depois não encontram instrumentos à altura capazes de integrar e interpretar as reacções das populações frustradas com os níveis ou performances dos partidos do poder e até mesmo os da oposição.

Daí pensar que hoje tanto a direita como a esquerda estão ambas no mesmo barco: o barco da economia globalizada (da tal globalização predatória que falava Richard Falk) que dita as regras entre todos os operadores sociais e económicos, e também os partidários - hoje verdadeiramente diminuídos perante os desejados níveis de satisfação das populações que depois recorrem à tal violência (larvar ou não) e ao ressentimento como forma de os punir por aquilo que prometeram mas não fizeram. Qualquer formato de discussão - dentro ou fora da blogosfera - que não contemple os factores de imprevisibilidade do presente, os avanços tecnológicos que estão a mudar tudo, a exigência acrescida das populações e as interacções de todas esses forças, entre novos e velhos, risco e segurança, será votada ao fracasso. E é este tipo de frustrações sistémicas que hoje desactualiza e inoperacionaliza esse velho debate que é, à partida, um nado-morto. Era como se cada um daqueles médicos : à Esquerda, ao Centro e à Direita (políticas) no recato da sua intimidade declarassem que não há solução ideológica para os actuais problemas sociais, indistinguindo-se, portanto, cada uma dessas propostas de solução oriundas de cada um desses espaços ideológicos. Ainda que ele possa vir a ser nutrido pelo veículo assegurado pelo único milagre do III milénio: a blogosfera - porque é aí que as coisas (hoje) realmente acontecem.