Salazar, Marcello Cateano e Mário Só-ares
- Nota prévia dirigida ao Memórias Futuras de Joaquim Paula de Matos
- Numa digressão que Marcelo Caetano fez ao interior do país esperava-o uma multidão mobilizada para o receber e um jornalista encarregado de fazer a reportagem põe o microfone à frente de uma mulher e pergunta: O que é que a senhora pensa deste novo Presidente do Concelho? A mulher, pessoa do campo, já de idade, de origem humilde, analfabeta, com uma vida de trabalho árduo de sol a sol e um rancho de filhos já criados, respondeu espontaneamente: Ah, este Salazar é mais simpático que o outro…
- - É óbvio que todos nós em função da nossa educação, formação intelectual, época em que nascemos, valores que assimilámos no decurso da vida posicionamo-nos de diferente modo perante a sociedade e a política. E não estando ideológicamente distante dele, creio que à época Marcello fez o que pode porque além de ser um homem nascido no regime, logo visceral e estruturalmente crescido em ditadura e educado nos valores da disciplina, da ordem e da obediência, os militares ultras também não o deixaram progredir mais nas reformas, pelo que o resultado só poderia ter sido aquele que foi: uma Primavera frouxa que abriu caminho à sua própria queda e, consequentemente, democratização do regime - à qual estava ligado - umbilicalmente - a própria descolonização das colónias africanas - que depois das Independências entraram em guerra civil seguido de internacionalização da guerra com os EUA a apoiar a UNITA de Savimbi (em Angola) e a ex-URSS a fornecer armas e apoio técnico, financeiro e enquadramento ideológico ao MPLA - ainda liderado por um dos maiores corruptos (e milionários) do mundo, José Eduardo dos Santos. Esta bipolarização da guerra, ou melhor, americanização e sovietização do conflito africano, generalizou-se a todas as práticas políticas e sectores no seio da Guerra Fria - com perdas elevadas para as populações e respectivas economias.
Mas o ponto que aqui quero salientar, à semelhança da estorieta que o meu Tio contou através da tirada da velhota analfabeta que funcionou como uma diminuição do papel pessoal e político de Marcello Caetano na substituição de Salazar, é o seguinte:
- Trata-se de mais uma estorieta, desta feita de sinal contrário aquela que Joaquim Paula de Matos conta no seu Memórias Futuras. E prende-se com uma visita oficial que Mário Soares - já na qualidade de Primeiro-Ministro, faz ao Brasil, na companhia de uma extensa comitiva - de ministros, gestores, intelectuais e jornalistas. Essa visita destinava-se a recuperar a confiança do Governo brasileiro, ainda magoado com os actos hostis ao tempo do gonçalvismo, e a obter investimentos de vária ordem em Portugal, especialmente nas áreas com ligações à colónia portuguesa. Certo foi que durante essa visita oficial Marcello Caetano estava recolhido à sua vida privada e académica - na Universidade Gama Filho que amavelmente o acolheu, já que Marcello era um excepcional professor de Direito e teria lugar em qualquer parte do mundo, o mesmo já não se poderia de outros, mesmo de democratas - que hoje, como ele diz - e recorda Vasco Pulido Valente - nem para criados de quarto serviam... Mas o ponto, apenas para fazer o paralelo com a história da velhinha analfabeta sobre a Primavera marcelista, e mesmo sopesando os erros, as raivas e as frustrações de Caetano (recordamos que estava em causa a sua própria sobrevivência - pessoal e política!!!) por não se ver obedecido imediatamente antes da entrega do poder a Spínola, - consta de uma história que passo a contar: e resulta duma vontade de Mário Soares - em querer granjear as simpatias das pessoas muito rápidamente, ora foi nessa ânsia de capitalizar politicamente essas simpatias - que foi um traço constante da sua personalidade ao longo da vida - que Soares caíra em deslizes imperdoáveis. Certa vez, quando saía do Instituto Histórico e Geográfico, entrou num bar cujo dono lhe pareceu português e, voltando-se para os jornalistas, disse em voz alta: Vou abraçar aqui o Manuel, meu patrício". Ao que o outro respondeu no sotaque próprio, de que se chama Pablo e era galego. Soares ficou desconcertado perante a gaffe que cometera. E logo um amigo contou a história a Marcello Caetano que valorou do seguinte modo: Pouca sorte!!! Com tantos portugueses estabelecidos por aí, o Mário Soares foi logo entrar na casa errada.
- Apesar de tudo, acho este comentário mais simbólico e mais rico do que o da velhinha acerca da Primavera marcelista, embora os dois tenham lugar na história - que é sempre feita de tempos e de cosmovisões diferentes. E o mais grave - é que hoje - quase meio século passado sobre esses episódios que fronteiram com o ridículo - estamos todos bem mais velhos e prontos a reconhecer que o nosso querido Portugal (como diria Eça...) - mesmo sem colónias e sem Império - não está muito melhor, antes pelo contrário...
- Até apetece pedir ao meu Tio que ele reecontre a (tal) velhinha por forma a perguntar-lhe o que pensa de Sócrates. Como hoje o povo é sereno, aguardemos, pois...
- De preferência, antes dele se pirar para o Brasil...
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