Evocação a Camus - até porque o futebol é o ópio do povo e o narcotráfico dos Media (Millor Fernandes)
Republico aqui este nosso texto de Jan. 2005 (com peq. adaptações) Hoje somos todos "Estrangeiros". Viva Camus e o regresso à normalidade
(Millor Fernandes à direita).
• Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: "Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames." Isso não esclarece nada. Talvez tenha sido ontem. O Estrangeiro Prefácio para "O Estrangeiro" por Albert Camus O Estrangeiro de Camus é um livro extraordinário. Reflecte, em parte, a dinâmica do nosso tempo político, económico e social. Espelha o absurdo a que chegámos. E porquê? É simples: "na nossa sociedade, qualquer homem que não chore no funeral de sua mãe, corre o risco de ser sentenciado à morte". A fórmula pode generalizar-se a todos os campos do social ao político, passando pela esfera cultural e simbólica que, afinal, nos norteia a acção. Para o autor, o seu herói, o Sr. Meursault, é condenado porque não joga o jogo. Sob este aspecto, ele é estrangeiro para a sociedade em que vive; ele vaga na borda, nos subúrbios de uma vida privada, solitária e sensual. Quantos milhares de portugueses se reconhecem nesta triste constatação!? Nesta lógica do absurdo, feita de ausências de sentido para a vida... Talvez por isso muitos de nós se sintam verdadeiros pedaços de "entulho social" por, precisamente, não jogar o jogo. O jogo dos medíocres, dos pacientes.. que esperam, que bajulam, que obedecem, que elogiam a mediocridade, para que esta se sinta alimentada e consiga reproduzir o velho ciclo de multiplicação do absurdo em que Portugal, hoje, caiu.. E o que é que sucede a quem não quer jogar o jogo? A resposta é simples. Quem se recusa a mentir e a "hipocrisiar", perde e sai borda fora da sociedade. Será que é preciso ilustrar esta rotina com alguns exemplos, ou o leitor - amigo e paciente - já se lembrou de uma dúzia deles..., com outros tantos a aguardar vez na fila da memória!? E quais a similitudes destas asserções com a nossa vida política? Também será necessário fazer um catálogo ou, de forma mais chique, mostrar o portfólio.. Como mero analista dos fenómenos sociais, sinto que a minha sociedade está ameaçada. O risco social já não é pontual. E aqueles que não estão dispostos a esconder os seus sentimentos tendem a ser trucidados, então é por isso que temos de aprender todos a mentir, a obeceder cegamente aos comandos dos que estão em cima e olham cá para beixo, vomitando algumas ordens que, essas sim, são verdadeiro entulho social.. O entulho dos instalados à lareira do Estado, vendo a pança inchar, tanto que já nem conseguem ver a ....para a satisfação das principais funções vitais dos rins. Com todas as provisões contadas, com a incerteza eliminada. Será assim a vida da Universidade portuguesa? e na política lusa? Acautelem as excepções, pfv.. Mas também não alarguem a percentagem dessa ínfima percentagem que escapa ao tal entulho. Em suma: tudo isto vem a propósito do Sr. Meursault - que é um homem que cometeu um assassino, é pobre e diz o que pensa. Como se tivesse obstinado e vivesse uma paixão pelo absoluto e pela verdade. Esta obsessão pelo mundial fez-me lembrar o Sr. Mersault e aquela frase do Millor Fernandes recordada pela Gi que diz: o futebol é o ópio do povo e o narcotráfico dos media. E qual é a verdade política, económica e social em 2006? O que responderiam os cidadãos (empresários, trabalhadores, estudantes, reformados e o mais)??? Será que (ainda) sentem alguma coisa para dizer? A minha verdade é comezinha: reler O Estrangeiro como a história de um homem que, sem heroísmos, aceita morrer pela verdade, qual Sócrates. Será que ainda há homens assim? Não creio... Hoje, quase todos se vendem. Ou vendem as filhas e os filhos. Por um pedaço de fama e/ou notoriedade as pessoas hipotecam o futuro, dão cabo de amizades nascentes. Hoje os homens são uns animais piores que estes - que, sem razão, ainda conseguem ser mais humanos. Lembro-me, hoje, de alguns comparsas da política lusa que dinamizam o teatro de revista ao ar livre por esse Portugal fora. Ambos, além de se representarem a si e aos seus próprios interesses, pretendem transformar os portugueses naquele entulho social representado no Sr. Meursault. Adoro futebol, até o jogo bem. Mas não embarco no ópio nem no narcotráfico. As minhas drogas são outras, mais pessoanas, mas saudáveis. Logo, menos alienantes. Estes mundial de futebol gerou um caldo cultural tal que me faz ter pena dos meus concidadãos. O Sr. Meursault, está chateado, e qualquer dia explode deixando fragmentos e estilhaços espetados por todo o lado. É que ele quer falar verdade, quer afirmar o que lhe vai na alma e no coração, e já está farto de lhe pedirem para continuar a mentir, só porque os actores principais o fazem.
Dos 20/30 ss. que vejo os jornalistas do burgo tentando transformar uma fraude noticiosa numa informação concluo: parecem aqueles novos galos a cantar, fazendo os mesmos vaticínios.Mas a esperança é sempre graciosa para os iniciados, que beneficiam de um estado de graça, cujas horas ainda não foram determinadas... Mas o relógio do tempo não pára. E a vida mingua. E muitos ainda passam a odiar o futebol só por causa deste massacre diário. O melhor mesmo é virar fransciscano e partir o televisor.
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