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Carta aberta à Unesco - pelo blog - Memórias Futuras -

CARTA ABERTA AOS SENHORES DA UNESCO QUE INDEFERIRAM O PROCESSO DE CANDIDATURA DE MARVÃO A PATRIMÓNIO MUNDIAL EXCELENTÍSSIMOS Srs.: Dirijo-me a V/Exas na qualidade do único português que ficou agradado com a decisão de recusarem integrar Marvão, nosso Património Nacional, no vosso Património Mundial. É verdade que a maioria dos meus compatriotas, preocupada que anda com as prestações da nossa Selecção Nacional de Futebol no Mundial da Alemanha, nem se apercebeu dessa vossa decisão, mas os restantes ficaram muito desagradados, ofendidos, diria mesmo furiosos e fala-se até em levar por diante um Movimento de Protesto. Não é, felizmente, o meu caso. Pelo contrário, estou-vos agradecido e explico-vos porquê: Eu sou muito cioso de certas coisas que são minhas ou do meu país o que, neste caso, é a mesma coisa e a vila de Marvão está entre essas coisas, que até já não são em grande número, infelizmente. Marvão é a mais pequena e bela jóia da arquitectura urbanística do passado do meu país. Ela não é só muralhas alcandoradas no cimo de um monte a quase mil metros de altura, ruas estreitinhas, espaços que trazem até nós o passado, paisagens que mudam à medida que vamos caminhando à volta das muralhas. Ela é tudo isso num todo único que nos faz reflectir e pensar e sonhar que houve outros tempos, outras formas de viver os romances de amor, de combater, de lutar, de morrer e alí, à nossa volta, está o cenário real onde tudo isso acontecia, basta sentar, deixar o olhar partir à deriva e… sonhar. Como V/s Exas já perceberam, a minha relação com Marvão é de grande intimidade espiritual e, nestes casos, a partilha não é fácil, mesmo com a UNESCO ou com o Património Mundial que putativamente representam. Claro que eu estou certo de que, caso Marvão tivesse sido integrada no Património Mundial, V/s Exas não a iriam deslocalizar para um país asiático, mas nós já estamos tão traumatizados com as deslocalizações das empresas multinacionais nesta globalização negativa (porque não é de rosto humano) que as receamos a propósito de tudo e de nada. Vejam-me bem, V/s Exas., que ao princípio era por causa dos chineses, depois os países de leste e agora até os nossos vizinhos espanhóis, de Saragoça, já trabalham mais, melhor e mais barato que nós à razão de 500 euros por cada Opel e, por isso lá vai também a nossa fábrica da Azambuja e 0,6 do valor das nossas exportações. Perdoem-me o desabafo, V/s Exas. não têm nada a ver com este assunto. Mas há ainda uma outra razão que me leva a congratular com a vossa decisão: -É a devassa a que inevitavelmente iria estar sujeita a nossa vila de Marvão porque, certamente, V/s Exas iriam inclui-la nos Circuitos Internacionais Turísticos e eu percebi bem o que isso significa quando visitei Veneza. Eram turistas aos magotes, de todas as nacionalidades mas principalmente japoneses, em grupos, pequenos bandos, guiados por uma sombrinha colorida, deslocando-se apressadamente em passadas miudinhas e rápidas fotografando tudo, à esquerda, à direita e em frente como se de uma empreitada se tratasse que era preciso acabar depressa… Um décimo que fosse dessa "multidão de formigas" hiper-activas na nossa vila de Marvão, até os nossos antepassados se levantariam escandalizados dos seus túmulos. Mas se, no essencial, e pelas razões expostas, Vos estou grato pela decisão que tomaram, o mesmo não poderei dizer quanto às razões porque o fizeram. Eu não duvido que V/s Exas, para tomarem a decisão que tomaram, não deixaram de visitar Marvão, mas fizeram-no com certeza numa 6ª feira, e eu sei o que são essas coisas, também fui funcionário público durante quase 40 anos e reconheço que as 6ªfeiras são maus dias, para trás ficou uma semana de trabalho e no outro dia é o tão ambicionado fim-de-semana. Para agravar as coisas V/s Exas tiveram que subir aqueles 1ooo metros, sempre às curvas e quando chegaram à vila já iam um pouco zonzos da cabeça, em fase de pré-vómito, os sentidos embotados e um estado de espírito que, por tudo isso, não era o melhor para avaliar o que quer que fosse, muito menos um colosso geo-arquitectónico como Marvão. Por essas razões até já estou a perspectivar a cena, ou melhor, as V/s cenas ancoradas nos V/s ricos e fugosos diálogos de fazer chorar a rir as pedras da calçada: - “ O colega já viu estas muralhas, francamente, não têm nada de original.” - ” Tem toda a razão colega, estas ameias são do mais vulgar que tenho visto”… - “Vou dar uma informação negativa. De acordo colega, eu subscrevo…” Mas então V/s Exas queriam ver coisas nunca vistas, únicas e não nos avisaram? Imperdoável! É que nós teríamos levado V/s Exas ao Entroncamento para alí verem e apreciarem os chamados e muito conhecidos Fenómenos do Entroncamento. Teriam tido oportunidade de desfrutar uma Couve Galega, absolutamente única, com 3,5 metros de altura, uma Melancia com 50 kg e um Par de Tomates cada um deles com 5kg. Seria depois, da vossa incitativa, deslumbrados que são por coisas únicas, propô-las ou não a Património Mundial. Mas nada disto anula o meu sentimento de gratidão para com V/s Exas pela decisão tomada, mesmo que esteja isolado nesse sentimento. Bem Hajam Joaquim Luís de Vasconcelos Paula de Matos