domingo

Os jornalistas-analistas-comentadores portugueses. O caso Afinsa

  • A pretexto das notícias que o Expresso publicou sobre a valia filatélica dos produtos da Afinsa julgo útil compreender a razão pela qual as coisas se passam da forma como passaram: ou seja, algumas notícias foram veículadas por alguns soid-disant jornalísticas para promover os produtos duma empresa, e fizeram-no não por amor à verdade dos factos, à verdade jornalística mas por um outro quadro de motivações que aqui tentarei sintetizar. É óbvio que o aqui se diz para alguns jornalistas daquele semanário também é aplicado a outros que têm a mesma conduta, ainda que o façam de forma mais "profissional" e súbtil, o que também não é difícil. Dito por outras palavras: por que é que "alguns jornalistas de serviço" se empenham em publicitar produtos e serviços de empresas nas páginas do seu jornal? Porque razão o fazem amiudadas vezes e num determinado timing? É sabido que grande parte dos jornalistas em Portugal são uns tolos sem preparação técnica e formação cultural e muito menos humana. Muitos deles, apenas com os anos de tarimba e uns cursos do Cenjor, movem-se apenas por objectivos mesquinhos, por vendettas pessoais, por invejas e resentimentos conexos, portando-se ainda pior do que a própria classe política que criticam. Mas o mais interessante deste porquê - não passa bem por aí. Vejamos: uma das mais interessantes criações espontâneas do regime democrático português foi a emergência da função do analista político, do politólogo se se quiser - como agora vulgarmente se diz. Nos seus traços particulares, essa função apresenta traços de originalidade quer relativamente ao comentador político (feita por jornalistas especializados) quer relativamente ao produtor de estratégias partidárias - que é, naturalmente, já um elemento integrado numa organização partidária, que é membro dum partido político e age como tal: observando regras próprias e hierarquias. No caso português, que veio a lume e foi ampliado exponencialmente pelas estranhas notícias do Expresso sobre a valia empresarial (e cotacional) dos selos da Afinsa - que agora está a deixar em pânico 350 mil clientes/depositantes - a questão de sabermos quem são os jornalistas-analistas de serviço que temos volta a colocar-se ainda com mais acuidade. Pouco interessa aqui saber se o jornalista promotor desse tipo de notícias usa ou não papillon, usa ou não avental maçónico, usa ou não o terço da Opus Dey (ou opus-gay) ou presta qualquer serviço oculto ou é avençado a qualquer outra confraria onde se presta o espírito ou o culto de corporação. Isso pouco interessa. Mas tal não deixa de nos recentrar na compreensão que leva a explicar porque razão aquelas notícias saíram daquela maneira e não doutra: porque razão os jornalistas do Expresso escreveram o que escreveram - num dado timing - a propósito dos produtos da Afinsa? É claro que não vamos aqui interpelar todos os jornalistas económicos - que usam ou não papillon. Tal seria ainda mais ridículo do que usar papillon.
  • O que dizemos é que no caso português, o chamado analista político, económico, social, cultural parece ser, ao mesmo tempo, ao contrário do que ocorre na Europa, essa criatura que se apresenta como ser independente ou neutro, mas depois, se neles fizermos incidir as lentes do macroscópio, verificaremos que eles apenas se representam a si mesmos. O que lhes concede uma liberdade de movimentos e de opinião muito superiores à que "está-à-mão" de quem está integrado numa acção política organizada, num partido por exemplo.
  • Não queremos com isto crucificar todos os "nicolaus" e "maquiaveis" e os demais jornalistas que tentam fazer o melhor que podem e sabem. Mas certas notícias, pela forma, conteúdo e timing com que são veiculadas na imprensa dita de referência - e pelas incidências que têm (ou ajudam a ter) nos mercados financeiros e especlativos - deveriam de imediato ser objecto de investigação judicial a fim de esclarecer as verdadeiras motivações que lhes deu origem. Parece-nos ser o caso das notícias da Afinsa veiculadas pelo semanário Expresso de P. Balsemão.
  • Em suma: o analista-jornalista dos novos tempos tem de ser mais do que um mero peão que é, a cada momento, instrumentalizado por poderosos grupos financeiros cujas estratégias são incompatíveis com o direito à informação isenta, objectiva e rigorosa. E nada disto seria particularmente nocivo se não houvessem portugueses lesados com as acções da Afinsa, ainda por cima de um português de Viseu, o sr. Figueiredo. Se isto não se esclarecer, ficará sempre a suspeita de manipulação de informação, de compra de informação, de corrupção de jornalistas, de ocultação de questões e explicitação de outras, em modos de formação de decisões, de favores empresariais que visam favorecer certas empresas ou posições e desfavorecer ou contrariar outras empresas ou posições.
  • O que gostaríamos de dizer aqui aos "jornalistas da tanga" que hoje manipulam boa parte da informação que nos "dão a beber" (como se todos fossemos burros), e o grupo de empresas e informação e comunicação de Balsemão tem vindo a insistir nessa "lógica da batata", é que o caminho menos natural, produtivo e saudável para a avaliação dos acontecimentos políticos passa precisamente pelo registo das notícias que o Expresso fez passar sobre a Afinsa.
  • O que é triste. A política é uma acção, ou melhor uma relação que produz resultados e efeitos, e tudo se desenvolve num contexto onde nenhum decisor é solitário e independente uns dos outros. Mas também excusava-se de ir tão longe, porque assim cheira a esturro. E se cheira a esturro é porque algo se queimou. E nós cremos aqui que o que foi esturrado - foi essa verticalidade, isenção e liberdade de informação que - para o ser - terá de ser verdadeiramente livre e independente dos grupos empresariais que, a dado momento, certos "artistas" da informação económica se prestam a dar uma mãosinha - sabe-se lá com que contrapartidas.
  • O que dizemos, para finalizar, é que quer a ocultação quer a mentira são as novas gémeas meretrizes que têm a perna curta...