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Angola como tábua de salvação

Angola como tábua de salvação Francisco Sarsfield Cabral Jornalista Em 1894 perguntava Oliveira Martins: "Salvar-nos-á, no século XIX, Angola, como nos salvou o Brasil no século XVII?" Essa era, então, a esperança de muitos portugueses, numa fase de aguda crise nacional. O País estava descrente e deprimido depois do humilhante ultimato britânico de 1890, da bancarrota das finanças públicas e da incapacidade para fazer a revolução industrial, já bem adiantada noutros países europeus. África e sobretudo Angola surgiam na altura como a "tábua de salvação" para Portugal (na expressão de Oliveira Martins). De facto, nos finais do século XIX aumentou a exportação de vinho e têxteis da metrópole para Angola. E algum capital português foi para África, juntando-se ali a capitais estrangeiros. Mas, tal como o ouro do Brasil pouco ou nada tinha contribuído para o nosso desenvolvimento, este sonho ultramarino não passou disso mesmo, um sonho. Portugal não se modernizou. E muito poucos portugueses emigraram para as colónias africanas. Hoje, Portugal volta a afastar-se das médias europeias de riqueza e a falta de produtividade torna escassamente competitivos os nossos bens e serviços. A dúvida instalou-se outra vez: será Portugal viável? Face à crise, aí está de novo Angola como tábua de salvação. Num mundo muito diferente, repete-se a ilusão de há um século. Claro que, numa Angola já liberta da longuíssima guerra civil, com um forte crescimento económico (o barril de petróleo está caríssimo…) e onde se fala português, existem oportunidades económicas que seria loucura da nossa parte não procurar aproveitar. Os bancos portugueses estão atentos e já avançaram. As empresas de construção e obras públicas, que sempre tiveram ali um pé, tentam encontrar no mercado angolano compensações para a inevitável retracção do mercado português do sector, após uma exagerada expansão. E outras empresas nacionais, do sector agro-alimentar às que operam nas tecnologias de informação e nas telecomunicações, esforçam-se, e bem, por participar no relançamento da economia angolana. Dito isto, importa olhar para outras realidades. Em primeiro lugar, a situação política e social em Angola. É alto o nível de corrupção que grassa no Estado angolano, a todos os níveis. A miséria de milhões contrasta com os privilégios de quem está no poder. O respeito pelos direitos humanos em Angola não é grande e as prometidas eleições continuam… prometidas. Mas, em particular quanto a Angola, a política externa portuguesa não tem por hábito colocar os princípios à frente dos negócios. As bonitas palavras pronunciadas durante a visita do primeiro-ministro Sócrates não fazem esquecer que o poder político angolano não morre de amores por Portugal. A "visível ausência de José Eduardo dos Santos na tomada de posse de Cavaco Silva" foi justamente lembrada por Helena Matos no Público há uma semana. E recorde-se ainda a maneira intolerável como Mário Soares foi tratado pela "nomenclatura" de Luanda. Por outro lado, antes de Portugal ter redescoberto Angola, outros já o fizeram. Os chineses estão ali em força, dispondo de meios (financeiros, por exemplo) que não estão ao nosso alcance. E os brasileiros, que falam português, há muito rivalizam com os empresários portugueses em Angola. Já não existe para nós a coutada protegida do tempo colonial. Há dez anos, impulsionado por Guterres, gerou-se entre nós um grande entusiasmo empresarial pelo investimento no Brasil. Parecia o terreno ideal para as empresas portuguesas se internacionalizarem, assim se tornando modernas. E algumas conseguiram singrar na economia brasileira. Mas outras viram sair- -lhes furada a aposta, como a Jerónimo Martins e a Sonae. O próprio investimento da Portugal Telecom no Brasil, a Vivo, suscita as maiores dúvidas. O que parecia uma oportunidade de ouro para a afirmação internacional de empresas portuguesas tornou-se, afinal, num sarilho para muitas delas. Tudo isto é motivo, não para descurar o intercâmbio económico com Angola, que é relevante, mas para evitar euforias. Percebe-se que quem não se sente capaz de concorrer em mercados sofisticados seja tentado a dar prioridade a mercados menos exigentes. Mas não haja ilusões: se queremos voltar a aproximar-nos dos níveis de vida europeus, teremos de conseguir competir com os países desenvolvidos. Ou seja, precisamos de atingir padrões de produtividade semelhantes aos deles. E, aí, não haverá Angola que nos valha.