A Margarida
Quem vive uma vida absorvida no dia-a-dia com não se sabe bem o quê entra num terreno espasmódico do desejo de querer algo mas que também não sabe bem o que é. Mas o objectivo é sempre o mesmo: produzir felicidade, que é uma indústria raríssima e situa-se num segmento de mercado difícil, e segundo consta ainda não há tecnologia para a produzir com inteiro sucesso e a custo aceitável. Para o fazer tem de recorrer a uma coisa, romper com o quotidiano, infringir a rotina, surpreender a realidade. Atravessar o tal rio proibido da transgressão, o que não é coisa fácil de se fazer under the circunstances. Mas ela sabe uma coisa: algo se impõe fazer a fim de ultrapassar esse estado de intranquilidade momentâneo, afinal - dizia - "a nossa amizade não está nas nossas mãos", ela transcende-nos (como a vida, a morte e o mais) quando não nos arrasta e, por vezes, obriga-nos até a mudar na torrente desse turbilhão que também não se sabe bem o que é. Só que para transcender esta posição - dizia-me ela de Caracas via email - precisava de transformar um sentimento que era de serenidade mas que depois cresceu e precisava de ser destruído. Deste lado do Atlântico com uns milhares de Kil. de permeio - dizia-lhe que muitas pessoas, mulheres e homens, excluindo desta fita os gays de ambos os lados que aqui não contam na equação de equilíbrio geral - não têm essa tal paz enquanto não transformarem esse seu potencial de afecto, amizade pura e dura - ou talvez só amizade pura sem ainda ser dura - num afecto controlável, domesticável e perfeitamente definido. Logo, ela, nós, todos nós - teríamos de transmudar o tal ser errático num ser domesticado, previsível. Só que o preço dessa operação poderia descambar no fim dessa curiosidade, desse pequeno deslumbre, desse micro-extâse do espírito, uma vez jogado fora tudo o que fica, que é a banalidade corrente, a espuma dos dias que desaparece com um espirro. Ela dizia-me, do outro lado, que continuava desanpontada e só buscava uma dimensão que faltava: o "extraordinário" do quotidiano mas, ao mesmo tempo, ela também não queria perder a serenidade e a tranquilidade que esse extraordinário poderia oferecer, perturbando tudo, precipitando tudo. Eram pois estes dois desejos contraditórios, ambos irrealizáveis, que se somavam com os dias, as horas, os minutos, os segundos num misto de elixir da vida e de pedra filosofal. Falo da Margarida D. Rosa que já não vejo desde a última vez, sendo que essa última vez será a 1ª desde a última que a avistei. Hoje penso, penso, penso e pergunto-me o que terá mudado nela para além da côr da pele ... Mas continua terna e meiga e adora joaninhas a melar no amarelo do sol mesmo no núcleo da margarida. No epicentro das américas. Será que já fala com sotaque.. venezuelano!! Eis uma narrativa que o destino lhe reserva e que já não vejo há muito, muito tempo. Talvez (até) desde sempre.
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