quarta-feira

Pokémon e as duas américas - atrocidades em Abu Ghraib

  • Image Hosted by ImageShack.usImage Hosted by ImageShack.usImage Hosted by ImageShack.us Que pensará o mundo civilizado e imputável das imagens de violação de direitos humanos na prisão de Abu Ghraib, em Bagdad? Sevícias, sodomia, desumanização total do inimigo indefeso, tudo em nome da virtú patriótica. Versão soft de Vietnam III milénio, em que corpos encapusados são mutilados e emoldurados por imagens risonhas e vitoriosas. Porquê esta “cortesia” dos soldados da liberdade?
  • Haverá, porventura, duas américas: uma boa, outra má? Aquela dispõe duma fascinante capacidade de sedução, com uma democracia avançada, herdeira duma revolução universal e uma cultura plural. Com a estátua da Liberdade a iluminar o mundo, representando milhões de oprimidos e portadora duma mensagem de esperança. Vitoriosa da Guerra Fria, anti-regimes autoritários em nome de princípios humanitários. Uma América inventora da Internet e da nova economia que telecomanda a globalização (in)feliz.
  • Depois esbarramos com o seu lado negro: métodos de gestão e dispositivos jurídicos prepotentes, técnicas comerciais egoístas e algozes com paixões e patologias que descambam em perigosos desvios para o mundo. Formada por uma espécie de diabretes biotecnológicos e por criaturas que vivem nas trevas com armas do III milénio nas mãos, quais gnomos ou monstros de bolso que lembram Pokémon.
  • Eis a América maligna que vi naquelas imagens. E tal como no Game Boy da Nintendo, é preciso capturar esses mutantes maus e transformá-los em homens bons, em socializá-los. Mas antes têm de ser alvo dum inquérito, julgados e cumprir pena na cadeia. O que coloca uma questão: já não se trata de saber o que somos, mas que tipo de homem queremos fabricar?
  • Como numa peça de teatro, vejo-me no papel do dramaturgo que inventou esta narrativa só para enquadrar os actores, mas em que a audiência jamais confundirá o teatro com a vida real. Uma vez que os tempos cénicos são artificiais e os actores caricaturais, tudo acabando quando cair o pano. Porém, os problemas reais permanecem, com a realidade a ultrapassar a ficção.
  • Agora com a agravante de que as emoções invadem as racionalizações, e por cada imagem de sevícia aos iraquianos encapusados (quais Ku Klux Klan dos novos tempos) é um rombo na estátua da Liberdade e um terramoto na consciência da América. Veremos o que o sr. Bush tem para dizer à Humanidade, se é que dirá algo..
  • Além desta neoguerra subverter a clássica definição de amigo-inimigo de Carl Schmitt, porque perde na opinião pública mundial quem pratica violência gratuita, aumenta o ressentimento do padrão cultural árabo-islâmico em relação aos EUA e ao Ocidente em geral - hoje em polvorosa por causa dos cartoons, pretexto para os tumultos. O problema é que aquelas lentes sabem que o Tio Sam é um produto da cultura política ocidental, e quem odeia a América também quer matar a Europa. Por isso o Ocidente deveria poder votar em J. Kerry nas presidenciais dos EUA. E se o tivéssemos eleito talvez o mundo hoje seria um pouco diferente. Eu disse talvez: porque prefiro uma democracia musculada a uma qualquer teocracia do séc. XXI.