Haverá, porventura, duas américas: uma boa, outra má? Aquela dispõe duma fascinante capacidade de sedução, com uma democracia avançada, herdeira duma revolução universal e uma cultura plural. Com a estátua da Liberdade a iluminar o mundo, representando milhões de oprimidos e portadora duma mensagem de esperança. Vitoriosa da Guerra Fria, anti-regimes autoritários em nome de princípios humanitários. Uma América inventora da Internet e da nova economia que telecomanda a globalização (in)feliz.
Depois esbarramos com o seu lado negro: métodos de gestão e dispositivos jurídicos prepotentes, técnicas comerciais egoístas e algozes com paixões e patologias que descambam em perigosos desvios para o mundo. Formada por uma espécie de diabretes biotecnológicos e por criaturas que vivem nas trevas com armas do III milénio nas mãos, quais gnomos ou monstros de bolso que lembram Pokémon.
Eis a América maligna que vi naquelas imagens. E tal como no Game Boy da Nintendo, é preciso capturar esses mutantes maus e transformá-los em homens bons, em socializá-los. Mas antes têm de ser alvo dum inquérito, julgados e cumprir pena na cadeia. O que coloca uma questão: já não se trata de saber o que somos, mas que tipo de homem queremos fabricar?
Como numa peça de teatro, vejo-me no papel do dramaturgo que inventou esta narrativa só para enquadrar os actores, mas em que a audiência jamais confundirá o teatro com a vida real. Uma vez que os tempos cénicos são artificiais e os actores caricaturais, tudo acabando quando cair o pano. Porém, os problemas reais permanecem, com a realidade a ultrapassar a ficção.
Agora com a agravante de que as emoções invadem as racionalizações, e por cada imagem de sevícia aos iraquianos encapusados (quais Ku Klux Klan dos novos tempos) é um rombo na estátua da Liberdade e um terramoto na consciência da América. Veremos o que o sr. Bush tem para dizer à Humanidade, se é que dirá algo..
Além desta neoguerra subverter a clássica definição de amigo-inimigo de Carl Schmitt, porque perde na opinião pública mundial quem pratica violência gratuita, aumenta o ressentimento do padrão cultural árabo-islâmico em relação aos EUA e ao Ocidente em geral - hoje em polvorosa por causa dos cartoons, pretexto para os tumultos. O problema é que aquelas lentes sabem que o Tio Sam é um produto da cultura política ocidental, e quem odeia a América também quer matar a Europa. Por isso o Ocidente deveria poder votar em J. Kerry nas presidenciais dos EUA. E se o tivéssemos eleito talvez o mundo hoje seria um pouco diferente. Eu disse talvez: porque prefiro uma democracia musculada a uma qualquer teocracia do séc. XXI.
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