O chá das 5 com Agostinho da Silva
Hoje a TsF fez mais um fórum para homenagear o filósofo português mais importante da 2ª metade do séc. XX - Agostinho da Silva. Tive pena de não intervir. Mas verifiquei que a linha do programa arrancou logo com uma ligação directa a um velho do Restelo que referiu um conjunto de banalidades e atribuiu, de forma algo unidimensional, ao pensador o título de pedadogo; um fransciscano despojado, um utópico e mais umas coisas sobre o conceito estratégico blá, blá, blá. Só faltou recitar a encíclica de Roma e de mais umas cruzes vaticanais com tom solene depois de esfregar as mãosinhas e invocar Chardin, que Agostinho da Silva achava um grande vigarista intelectual. Enfim, ódios antigos de antigos que nos escapam. Depois os seguintes intervenientes, curiosamente, reportavam todos ao apelido do 1º interveniente e logo pensei que a marosca estava pré-feita, quero dizer, combinada. Até tentei ouvir melhor não fora eu estar enganado e o dito programa estar vocacionado mais para homenagear os vivos e esquecer o homenageado. Mas tudo bem, ficámos a conhecer o importante legado de Agostinho da Silva como sendo o de um grande pedagogo que mobilizou a juventude. Ah, e ainda segundo a douta opinião do 1º interveniente, sofreu também o estímulo da figura socrática. Aqui fiquei maravilhado, maieuticamente maravilhado. E a roda descobriu-se, o eixo dela também girava e fez-se lux e todos os candeiros do Restelo e arredores se apagaram.
- Mas retomemos o essencial: ou seja, de Agostinho da Silva - que nunca fez jogo duplo tentando servir o diabo (leia-se, a ditadura) e Deus (a democracia superveniente), como inúmeros restolhos que transicionaram para a democracia pluralista dando a entender à turba - que os acolheu - que sempre foram democratas e pluralistas quando, na realidade, a maior frustração que ostentam hoje é a de viverem sem terem sido presidente(s) do concelho, ou seja, não terem podido substituir o velho "botas", o grande e durável Salazar. E alguns ministros do ancien regime até deixaram de se falar por serem dois galos a querer disputar a mesma capoeira, perdão, o mesmo poleiro. Refiro-me, em bom português, porque este blog não é de meias tintas nem sonso, nem hipócrita nem segue a política do cagaço institucionalizada por Freitas: A. Moreia e o já falecido historiador e ensaista Alberto Franco Nogueira. Davam-se bem especialmente quando não se viam. E quando não se viam odiavam-se cordialmente, santamente, piamente, encíclicamente.
- Mas esta estória não se prende apenas às babas dos velhos do Restelo, sob pena de nunca se ter realizado as Descobertas, ou melhor, a Navegações, que jamais poderá ser creditada aos restolhos que ainda pululum por aí, ou andam por aí. O que procuro significar é que vejo Agostinho da Silva como um guia que ensinava muita coisa a muita gente. De facto, ele não foi apenas um pedagogo. Assim, como alguns ministros de Salazar, uns foram muito piores e outros muito maus. E outros ainda, tinham as mãozinhas em duas plataformas e depois deixavam a mãosinha sobrantes na plataforma que fosse elevatória para, desse modo, ascenderem à Democracia dos vencedores. E hoje são uns verdadeiros democratas, emboram a cara, o estilo, os tiques, os gestos sejam todos, mas todos mesmo do ancien regime.
- Agostinho, de facto, queria tudo para todos. Pretendia que todos vivessem em plenitude: na cultura, na economia, na sociedade e na política. Era um homem duma bondade inexcedível: sem arrogância, sem soberba, sem tiques erráticos de personalidade auto-convencida, sem traumas, sem desvios, sem hipersensibilidades, sempre coerente com o que pensava e fazia. Nele, ao invés dos restolhos mal formados - que deixaram nos corredores das faculdades toda uma geração de doutores e de catedráticos psicológicamente marcados, e, hoje, ainda sofrem os vícios comportamentais dessas marcas genético-desviantes - como quem reproduz a violência psicológica de que foi alvo (eis o raciocínio: se eu fui maltratado também vou maltratar os outros), o altruísmo de Agostinho era a regra, o seu solidarismo o padrão, a cooperação o automatismo desejado. Agostinho da Silva nunca deixava ninguém "pendurado", e por vezes o motorista era o 1º a ser cumprimentado. Nele, ao invés dos restolhos salazarengos do costume - a imagem batia certo com a sua autenticidade. De modo que ir a casa dele durante anos a fio foi um prazer e um privilégio incomensuráveis.
- - Era como ir a casa do mestre dos mestres beber uma taça de chá. Só que o chá vinha para a mesa e Agostinho (como que) enchia a taça do seu visitante e, depois, continuava a "festa" até a coisa transbordar..
- - Vai daí o visitante só podia observar: ó professor páre lá com esse emborcamento desregrado porque está a entornar tudo e a desperdiçar o chá. Não vê que não cabe mais nada na taça!!!
- - A surpresa vinha depois, como sempre em Agostinho da Silva: tal como esta taça, dizia: ó rapaz estás cheio das tuas própias opiniões e conjecturas. E assim como poderei eu revelar-te o Zen que queres aprender, se antes não esvaziares a tua taça? Ou melhor, a tua cabeça...
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