"Reacções" by F. Sarsfield Cabral. Soares na TVi
* Francisco Sarsfield Cabral
A candidatura presidencial de Mário Soares tarda a levantar voo nas sondagens. Talvez não signifique muito há vinte anos, Soares partiu com apenas 8% e ganhou a eleição. Nesta fase do campeonato a vitória de Cavaco Silva (em quem irei votar) não está assegurada. Mas as sucessivas sondagens que colocam Soares atrás de Alegre têm provocado reacções de nervosismo entre os soaristas. O próprio Soares queixou-se há semanas, e os seus apoiantes têm repetido, de que a comunicação social "anda com Cavaco ao colo". Ora, quando primeiro--ministro, Cavaco Silva conquistou duas maiorias absolutas contra a maior parte dos jornalistas. Nunca a comunicação social simpatizou com ele. Também há soaristas indignados com os jornais que noticiaram as confusões e lapsos de Soares, ao responder a perguntas de jornalistas na apresentação do seu manifesto eleitoral. Como se tal não tivesse acontecido ou fosse matéria irrelevante num candidato presidencial.
E já começam a ouvir-se vozes culpando o povo, distraído e sem memória, de não alimentar intenções correctas quanto ao voto nas presidenciais. "Parece que as pessoas se esqueceram do enorme alívio com que receberam a distensão de António Guterres depois do segundo mandato de Cavaco", lamentava Mário Mesquita ao último Expresso.
A tendência para culpar os media e as pessoas pela falta de sucesso de uma candidatura eleitoral não é inédita. Já havia sido manifestada, de forma chocante, por Manuel Maria Carrilho, após a derrota na corrida à Câmara de Lisboa. Não é uma reacção saudável. Convém que os apoiantes de Soares se lembrem de que ele, dois meses antes de se candidatar, considerava tal hipótese "uma loucura", mesmo numa situação-limite (que não é o caso). Não admira que muita gente julgue insensata a decisão de Soares.
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Mário Soares na TVi
Ontem o Francisco Sarsfield Cabral, dentro da linha do jornalismo informativo, formativo e pedagógico que sempre cultivou, ofereceu-nos aqui uma visão realista de como Soares e MM Carrilho - encontram inimigos internos para, assim, justificar a matemática eleitoral em que vegeta o peso das respectivas candidaturas. Há dias foi Carrilho para justificar a derrota na C.M.Lisboa, agora é Soares para explicar o antecipado fracasso para Belém. Enfim, é a antevisão do abismo que distorce a (falta) de razão política. É certo que esta busca do inimigo interno, que Cavaco no passado também imputava (parcialmente) à imprensa - que então não andava com ele ao "colo" - parece ser uma caractreística inerente à própria condição humana. Temos, pois, uma necessidade vital de encontrar razões que a própria razão desconhece a propósito de tudo e de nada. Se ganhamos foi a sorte, o mérito e a competência; se perdemos, ao invés, foram os pulhas dos jornalistas - sentados nas redacções dos jornais, das rádios e das televisões que vivem exclusivamente com o objectivo de nos tramar. Eis a forma mentis do velho leão, e seria assim a sua forma de actuação política caso venha a ser eleito para Belém. Mas não será com o meu voto.
Ora isto dito por Mário Soares já não é novidade, pois trata-se de alguém que utilizou o método conspirativo - mesmo dentro do PS - para fazer política. Foi, provavelmente, algo que lhe ficou genéticamente incrustrado pela história do seu ilustre passado anti-fascista. Mas o dr. Soares tem de entender uma coisa. Ele e outros restolhos - que à direita - então alinhavam com o "Botas" (Salazar) e depois, com a democracia, passaram a alinhar à esquerda. E, hoje, defendem, com unhas e dentes, os ministros da Defesa do PS quando vão aos Prós & Contras dizer um conjunto evitável de banalidades ao País. Essa gente, que inclui "Adrianos & Veigas" e outros sub-produtos reciclados desta novel democracia adaptativa - que vive das vantagens da economia de casino e do jogo fundacional, têm de entender que a sociedade gera outras dinâmicas sociais que não dependem (já) dos velhos métodos pidescos, inquisitoriais, segredistas que coagem as pessoas (por causa do desemprego e de outras benesses) a alinhar desta ou daquela maneira. É assim que estes restolhos da sociedade luso-tropical ainda vai instilando medo nos vários aparelhos de decisão por onde vão arrastando as pernas, gerindo subsídios, distribuindo poderes, vantagens, empregos e outros títulos consoante as contrapartidas que vão recolhendo do exercício desses cargos de alta administração e de outros micro-poderes obediente, por sua vez, a outros macro-poderes que desgovernam esta poliarquia lusa..
E o dr. Soares, e outros como ele, embora sentados à direita (em tese, porque na prática eles sentam-se onde o Orç. Geral do Estado for mais gordo e pagar melhor) ainda pensa que essa é a maneira mais eficaz de fazer política: denunciando no vazio, incriminando a CS e os jornalistas, mostrando culpados que não existem, aflorando malvadez (cavaquista) que governou 10 anos seguidos (que terminou quando teve de terminar, e bem) e o mais. É o estilo confusionista do dr. Soares, que escreveu muitos livros, fez muitas conferências, disse o que pensava sobre o Iraque, a pedofilia, a casa Pia e outras reflexões metafísicas que emsobraram correligionários seus que, de espanto e de humilhação, agora tiveram de fugir para a ODCE porque, na realidade, já não suportavam as dores de cabeça, porventura, injustas - que esse tipo de acusações inflige às pessoas.
Tudo para dizer que o dr. Soares esteve sempre atento à realidade caseira, internacional e mundial dos últimos dez anos. Fez discursos e muita doutrina que depois ninguém seguiu. Assim, estou em crer que aqueles outros sujeitos transmutados da ditadura para a democracia, Adriano, Veiga & Compª (já que os politólogos mais velhinhos e já catedráticos - que dizem não querer ser ministros e depois quererm - não têm a coragem de os referenciar...) - também apoiarão activamente o velho leão. E mesmo que não apoiem todos admitem, na sombra (as usualy) a importância do founding father da democracia portuguesa.
Mas este nível de compreensão dos materiais políticos em contexto pré-eleitoral só ficará completo com um efeito de passagem que importa qui reter. E que é o seguinte. Dado que o dr. Soares evocou à TVI (na entrevista de ontem - de que só vi resumo no day after) a necessidade de se ser um "filósofo" para ser PR. Assim ele se intitula..., Cavaco, nessa sua linha de entendimento, não passará de um economista do tipo manga-de-alpaca que serve bicas no Banco de Portugal, tal como Vitor Constâncio, que é outra personagem da nossa praça de quem Soares gosta "muito" (e que joga muito bem xadrez, como refere o arqº . José António saraiva do Expresso).
Mas é essa evocação ou condição de ter de se ser "filósofo" para poder galgar os muros do Palácio de Belém, segundo Soares, que me deixou verdadeiramente esgaziado. Por essa altura, julguei que o homem até ia citar F. Nietzsche - que tanto desprezou a humanidade, e nunca se candidatou à PR, apesar de ser filósofo (este a sério). Mas estas articulações encaminham a reflexão para a "besta" que existe no homem, ié, em cada um de nós, na humanidade. Uma condição de besta que, volta e meia, toma posse de nós, possuí-nos por todos os lados, e comanda-nos o espírito. Foi assim que vi o hoje o fragmento da prestação do referido candidato na TVi.
Mas, em rigor, isto tem - creio - uma explicação mais profunda que Soares certamente desconhece, porque - na realidade, ele nunca foi filósofo, nem lá perto. Quanto muito falou com eles na viagens ao estrangeiro e quando ía às Conferências da FCGulbenkian dizer aquelas coisas de história contemporânea para os jovens que andavam no 1º ano da faculdade.., para lá levados pela organização cuidada do dr. Espada. E os seus volumes publicados sob a batuta de Belém valem tanto como os artigos previsíveis e mui empastelados do dr. Espada no Expresso - que hoje já ninguém lê. Esta é que é a verdade. Por isso, admira-me muito o dito Espada não o apoiar desta vez, e apoiar o seu arqui-rival Cavaco Silva. Soares deve estar furioso, e deve dizer para os seus botões:
dei eu tanto a mão àquele ingrato do Espada da Católica; dei-lhe estatuto de ser meu amigo e comigo aparecer publicamente - lá na minha Fundação e na Gulbenkian.. Até de braço com ele andei.. - Depois, na minha aFunda-são - constituída com os milhões do Ministério da Ciência & Tecnologia e doutras magias que deveriam ter sido aplicados em verdadeira investigação e nas pessoas que queriam ser investigadores em Portugal (e não poderam porque o dinheiros públicos foram para os bolsos da dita fundação do sr. dr. Mário soares) - e agora aquele ingrato do Espada vai-me apoiar o Cavaco....Irra".
Mas a reacção, ou as "reacções" de Soares - para retomar a terminologia e a sempre interesante formulação dos temas de Francisco S. Cabral no Dn (que agora tem novo director e é amigo de Mário Soares) - não são tão estranhas quanto, à partida, se possa supor. Na medida em que há um estranho fascínio na submissão àquilo que Baudelaire chamou "a nostalgia do lodo"; e quanto mais depressa vamos deslizando para o abismo mais nos vamos persuadindo de que nos estamos a elevar. Assim me pareceu Soares ontem a tentar desancar enfurecidamente em Cavaco, na sua ausência. Depois virão o temas das reformas, do profissionalismo da política e de mais umas ideias estapafúrdias que acabarão por aniquilar políticamente Soares ainda mais depressa.
Pobre Soares - pensei!!. Já se enerva e se descontrola daquela forma quando, nem sequer, tem o adversário pela frente. Por este andar, como aqui temos vindo a defender, Cavaco ganha de caras se ter sequer de referir o nome do seu rival. Cavaco vencerá sem ter de o atacar, seguindo os clássicos ensinamentos de geoestratégia milenares sistematizados por Sun Tzu.
Ensinamentos a que Mário Soares, por certo, um dia, para mostrar ao mundo que é um filósofo de alto gabarito (como manel Maria Carrilho - que é, verdadeiramente intragável - naqueles seus "jogos de racionalidade" - e que eu não fui capaz de passar da 5ª página...) ainda diz ser da autoria de Miterrand ou de Eduardo Lourenço... E se estiver bem disposto, e as sondagens o ajudarem com mais uma décima (que são os votos dos gays e das lésbicas - transferidos directamente do capital político do filho João para o pai Soares), ainda diz que a Arte de Guerra de Sun Tzu - foi escrita por ele e está publicada num daqueles seus Vols. de Intervenções que ele próprio escreveu mas de que desconhece o nº. Mas também não interessa, isso fica para os economistas não filósofos mangas-de-alpaca - tipo Cavaco - descobrir... lá nos insterstícios bibliotecários dos arquivos redondos e das estatísticas do Banco de Portugal.
Não fora a idade já avançada, e acharia isto tudo muito cómico. Mas é uma comicidade que dá vontade de chorar, pois ninguém gosta de ver o seu país dirigir-se para a chamada nostalgia do lodo, de que falara Baudelaire..
Julgo que todos estes pontos de vista estão implícitos no romaNTISMO que anima a falsa candidatura de M. Soares. Uma candidatura que só lhe valoriza os maus sentimentos, os quais acabam por o perturbar publicamente dando de si, como é notório, uma imagem cómica, mas a roçar o ridículo.
Julgamos que o dr. Soares é capaz de ter alguns amigos que lhe possam dizer, com respeito, a dimensão dessa sua impossibilidade política em que caíu. E quando falamos em amigos do dr. Soares - estamos a pensar, por exemplo num conjunto de intelectuais de alto gabarito e com alto teor de colesterol e de raquitismo, dirão outros. Seja como for, dessa galeria de notáveis, teremos de excluir as personalidades que já faleceram e, desse modo, não poderão apoiar Soares a Belém.
Mas admito que em ambos os casos, e por razões ligeiramente distintas, o dr. Soares páre e reflicta, e depois diga: bolas, com amigos destes quem precisa de inimigos?!!! E se calhar será por isso que irei perder...
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