- Oeiras é um local maravilhoso. É uma Pérola do Atlântico. Mas coabita agora com o mais mesquinho da condição humana. Um dia vem uma onda e embrulha-nos, e depois nunca mais ninguém nos vê ou fala de nós. Grave não é saber isto. Grave é ter a presunção da eternidade, da prepotência decorrente da incapacidade genética de conviver com a falta do poder. Para esses só há uma via: a cura de humildade.
Vivo em Carnaxide há 3 anos. Vim aqui parar por razões familiares e ao fim de uma semana senti-me logo como peixe na água: na rua, nas lojas, na padaria, nos cafés, nos quiosques, na nova Biblioteca do Centro Cívico de Carnaxide, wherever. Até na famácia já lá fiz uns amigos, e quando me esqueço do dinheiro volta para pagar o que fiquei a dever dois ou três dias depois.
Carnaxide, para mim, é um misto de Vilamoura, de mundinho feito de província e de alguns traços urbanos. Muito acolhedor. Noto que aqui as pessoas se comportam de modo diverso de Lisboa. Há uma familiaridade e um espírito de vizinhança que há muito se perdeu na grande urbe, onde a regra é o anonimato e a indiferença.
Este é o quadro humano que pinto de Carnaxide. Uma tela com animação, hospitalidade e com côr. Mas recentemente, especialmente com o momento pré-eleitoral que actualmente se vive, a tensão subiu no termómetro da política em Oeiras. Vai-se à padaria e as pessoas falam de política de forma agreste; na farmácia as pessoas ficam com vontade de envenenar alguém com o último fármaco; na Biblioteca - reina a hipocrisia e o cinismo cirurgicamente calaftado - esperando que se conheçam os resultados para as ditas pessoas revelarem ao mundo as suas inclinações, preferências e opções pessoais e políticas. Por todo o lado, com excepções, naturalmente, as pessoas parecem de novo viver aquele ambiente balofo, receoso, manhoso, dual, ambivalente típico do salazarismo. Enfim, é um ambiente com odores a naftalina, perfeitamente evitável.
Uns dizem que o sujeito tal é um "ladrão" e que já deveria dormir na cadeia; outros dizem que isso ainda é pouco; outros ainda dizem que quem está é competente e séria e merece estar lá por 4 anos. Em suma, as opiniões - apesar de maioritáriamente apostarem na continuidade e sem sobressaltos, estão um pouco divididas. E mais divididas estão acerca da qualidade da Justiça que temos em Portugal. Muitos são até de opinião que quem deveria ir a tribunal era a própria Justiça. E eu concordo!
Mas o ponto para que chamo atenção é que nunca me lembro, desde o 25 de Abril, ter testemunhado o ambiente de receio, de medo, de inveja, de ocultação do pensamento e da palavra, de ofensa, de sabotagem, de duplicidade, de ameaça velada ou directa - que se está a viver em Oeiras. Tudo pelo facto de o ex-autarca se ter demitido do governo de Durão Barroso há 2 anos e, recentemente, contra o mais elementar bom senso, se apresentar a eleições.
Pois mesmo que o ex-autarca ganhe, o que é uma hipótese meramente académica, o desgaste, a tensão e os danos psicológicos, pessoais e até institucionais que esta embaraçosa situação já provocou nos Oeirenses, jamais apagará este vexame da Política à Portuguesa que o país actualmente testemunha. Pior que isto só os incêndios. E são estas notícias, lamentavelmente, com a pedofilia à mistura, que integram as manchetes da imprensa internacional quando se refere a Portugal.
Tenho tentado decifrar essas reacções perversas das pessoas. Perceber o que pensam e como pensam na farmácia, na padaria, na rua, no quiosque, na universidade, no banco, no café, na biblioteca, enfim, na comunidade oeirense. E a conclusão a que chego, em boa medida fornecida por essas mesmas reacções - mais ou menos espontâneas aponta para a seguinte formulação.
De facto, muitas pessoas tem interesses directos e imediatos a salvaguardar. Interesses pessoais/familiares, profissionais, institucionais, patrimonias e outros que tais. Esses interesses são, como constatei, diferentemente salvaguardados consoante seja a actual autarca ou o ex-autarca à frente dos destinos do Munícipio. Naturalmente, que aqui os interesses da construção civil (e conexos) apostam mais numa opção do que noutra, obviamente. Pois não é esperável que o escol do "pato-bravismo" oeirense aposte na Educação, na Cultura, no Ambiente e nos espaços verdes... Isso dá pouco dinheiro e más comissões.
Infelizmente, o balanço que se pode fazer desta campanha aponta nessa direcção. As pessoas têm medo porque querem proteger os seus interesses e, por isso, não falam porque não querem ser conotados publicamente com o candidato A ou B, e até se dá o caso, como já me confessaram, de apoairem publicamente um candidato e nas urnas confessarem votar no outro.
Enfim, Oeiras, por estas má razões que só poderão ser imputáveis à tal gula de poder, status, glória animada de um esprit de pequena vingança pessoal (designadamente contra a liderança nacional do PSD, leia-se Marques Mendes), já constitui, simultaneamente, um study-case de Ciência Política - por um lado, e das ciências comportamentais, por outro - que já envolve conhecimentos na área da Psicologia política e dos desvios comportamentais que, num dado momento, certos actores não conseguem evitar. Aqui entramos no domínio da psicopolítica e dos desvios comportamentais sinalizados por neuroses, psicoses e equizofrenia social que impede uma análise correcta da realidade.
Oeiras, neste capítulo, vive um desses momentos de esquizofrenia política que é potenciada pela dualidade de comportamentos (alimentada pelo medo) que faz com que as pessoas tenham comportamentos ambivalentes, duais, querendo, ao mesmo, deus e o diabo, pensando que assim conseguem fazer a quadratura do círculo para manter intactos os tais interesses que até aqui têm conseguido estabilizar.
Julgo mesmo que o clima no interior da autarquia é ainda bem pior do que aquele que a sociedade testemunha. Com altos funcionários a fazer jogo duplice; com técnicos superiores as cavar condutas subterrâneas com promessas de mundos e fundos; com tentavias por parte da alguma fatia de alguns funcionário em minar o que está na expectativa de verem beneficiados as suas posições caso apoiem (na penumbra) o candidato maldito. Que, convenhamos, tem cultivado este caldo de cultura antamente pernicioso em Oeiras e que, lamentavelmente, perduarará muito para além do mero acto eleitoral de 9 de Outubro. Há guerras entre irmãos que jamais se deveriam travar. E esta é, obviamente, uma dessa guerras.
Mas tudo isto acontece em Oeiras por uma razão prévia. É que o poder político, mesmo o local, tem uma origem mundana. Nasce da própria "malignidade" que é inerente à natureza humana. Além disso, em Oeiras a captura do Poder (sobretudo para o ex-autarca) aparece como a única possíbilidade (sublinho, a única) de enfrentar o conflito que tem consigo próprio, de expiar os seus pecados publicamente, de recuperar a glória e até a dignidade perdidas, de domesticar o poder de certas pessoas no PSD - inclusive o seu actual líder. Enfim, é uma guerra em toda a linha que se desenvolveu no coração de um homem, e que hoje contaminou os espíritos dos oeirenses que, uns perdidos, outros receosos, ficaram entalados entre as emoções e as racionalizações da Política à Portuguesa.
Confesso, que o nível das paixões, do cinismo e da hipocrisia das pessoas em matéria política local em Oeiras, me deixou frustrado. Há limites para tanta hipocrisia. Ou então, fui educado doutra maneira, pertenço a outra galáxia. Sobretudo, quando vejo isso em pessoas que julgava esclarecidas, iluminadas pela razão, com valores que os habilitavam a conseguir separar o bom do menos bom, o útil do acessório, enfim, o trigo do joio. Mas relendo os clássicos constato, como diria o meu Tio Quim Paula de Matos que sabe bem mais desta poda do que eu, que existe um Espírito santo em cada esquina. Ora, isto não é (só) mau: é péssimo!!
Concluo, infelizmente, da seguinte maneira: volvidos 31 anos após a revolução de Abril em Portugal, Oeiras - ainda não se livrou destes padrões comportamentais rasteiros, de pequenos bufos, de homens e de mulheres sem carácter, com o dorso e a coluna de plasticina. Isto é terrível numa terra esclarecida como Oeiras. Uma terra em que todos deveriam dar o exemplo, e não só alguns..
Mas obviamente que isto é uma parte, não o todo da população que, malgré tout, ainda consegue separar o ouro da prata, não confundindo nem um nem outro com o latão.
No fundo, e Oeiras é a prova disso, o homem pouco ou nada mudou nestes 2000 anos de era post-Cristo. Continuamos enxameados de paixões perversas, emoções que nos assaltam o pescoço como se dum cascol se tratasse no termo de um derby. Mas estas paixões nefastas - que são recorrentes no comportamento humano - mesmo que tenham sido ocultados por algum tempo, urgem ser combatidas.
É para isso que serve a nossa principal arma: a razão. Basta que pensemos!! Mas para isso, urge colocar a razão em cada canto e, ainda assim, desconfiar sempre do tal Espírito Santo - que não nos larga, mesmo em democracia.
Afinal, fizemo-la para quê?? Certamente, que não foi para andar vergado, de mão estendida e ser seu escravo no dia-a-dia!
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