A emigração "pós-imperial"...
Ruisinho:
- Um artigo da revista Visão de hoje chamou-me a atenção para o facto de parecer-mos estar, novamente, perante uma vaga de emigração de portugueses para a Europa, num fenómeno de características cíclicas, do qual não nos conseguimos livrar. E digo parece, porque vivemos agora numa Europa de livre circulação de trabalhadores e o registo desses movimentos já não existe porque deixou de fazer sentido. Sem estatísticas da emigração, outros indicadores apontam para a saída dos portugueses. Em 2004, só numa determinada zona do norte do país, 39000 pessoas deram baixa do subsídio de desemprego e este ano, de Janeiro a Março, 10000 anularam o subsídio. Ora, não tendo sido criados empregos, é fácil concluir que esses milhares de portugueses foram procurar fora o que não tinham expectativas de encontrar cá dentro: trabalho. É, portanto, o recomeço do ciclo da emigração dos portugueses e, mais uma vez, com as pessoas do norte em evidencia.
- Pessoalmente, não me surpreende, porque a situação de quase pleno emprego em que vivemos até há uns 4 anos era falsa como Judas e ele que me perdoe por invocar o seu nome depreciativamente. Trabalhei no IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional) e durante mais de 20 anos acompanhei dezenas de pequenas e médias empresas no distrito de Santarém e não só que, no conjunto, empregavam milhares de trabalhadores, especialmente do sexo feminino. Era um falso emprego, porque não se tratava de verdadeiras empresas nem, na maioria dos casos, de verdadeiros empresários, apenas pessoas com sentido de oportunidade, não propriamente oportunistas, porque não considero condenável ganhar dinheiro desde que se pague aos trabalhadores o que é da lei, mesmo que seja o mínimo, e ao Estado o que lhe é devido. Como também não considero condenável que pessoas de outros países tenham vindo até ao nosso tirar partido de uma mão de obra disponível, não qualificada e barata, desde que isso não implicasse promessas ou expectativas que não correspondessem à realidade, o que também, regra geral, não aconteceu, ou seja, ao fim e ao cabo, ninguém enganou ninguém, simplesmente chegámos ao fim de um período que não tinha pernas para andar ou, se quiserem, para ir mais longe.
- Temos assim que, século após século, década após década, com algum pequeno intervalo, governantes e governados não conseguem criar, cá dentro, condições de sobrevivência para todos nós. E este é o mais grave problema, de sempre, do nosso país. É dramático ouvir os testemunhos dos nossos compatriotas, das dificuldades, das humilhações, dos sacrifícios acrescidos porque têm que passar para poderem sobreviver lá fora quando, ainda por cima, é certo, que tendo saído ajudaram a viver os que cá ficaram com as remessas das suas poupanças, as quais, durante muitos anos, constituíram o mais forte contributo para o equilíbrio da nossa balança comercial.
- Como alterar este destino, quase que se lhe pode chamar assim, que recai sobre nós como se fora um castigo divino? Tivemos agora e julgo que continuaremos a ter, importantíssimas ajudas financeiras, o país está diferente, de há 30 anos para cá não parece o mesmo, mas será que só o cenário é que mudou? Crescemos, sem dúvida, mas será que nos desenvolvemos? Temos hoje doutorados, mestres, licenciados, formados nos mais variados ramos do saber como nunca pensámos ter e, no entanto, acabado que foi o período de utilização da mão de obra barata, cá estamos nós no nosso fadário de ter que emigrar para sobreviver.
- O que é que existe em nós de errado? Esta incapacidade para nos organizarmos e produzirmos riqueza internamente tem que encontrar uma solução. No plano individual já demonstramos à exaustão tudo quanto havia para demonstrar: coragem, criatividade, ambição, espírito de sacrifício, persistência enfim, tudo o que é preciso para vencer e ser bem sucedido, mas colectivamente, dentro das nossas fronteiras, não conseguimos construir uma sociedade viável sem a exclusão de muitos de nós.
- Se me fosse possível fazer qualquer coisa de artes mágicas daria a todos os portugueses uma injecção de humildade e dir-lhes-ia para fazerem bem,aquilo que sabem fazer, ou seja, vivam colectivamente de uma forma inteligente.
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