Soares é fixe? Dizem que sim - por Paulo Baldaia -
Nota prévia: Eis um artigo que gostaria de ter escrito acerca da figura mais relevante da nossa vida democrática, goste-se ou não de Mário Soares, tenhamos votado ou não nele como sublinha, e bem, Paulo Baldaia (aqui).
- Mas foi por ele, em larga medida (de par com os militares e os capitães de Abril, com Salgueiro Maia à cabeça) que a democracia pluralista se instituiu sobre os escombros de 40 anos de ditadura salazarista, a unicidade sindical desapareceu (com muita pena do PCP..), se acelerou o processo de descolonização (que poderia, "talvez", ter sido mais bem negociado e gradualista) e se caminhou, a passos largos, para a integração de Portugal na então C.E.E. que permitiu aos 10 anos de cavaquismo subsequentes, i.é, de 1985-95 - modernizar o país por via da construção de estradas e pontes, escolas e hospitais e inúmeras infra-estruturas que modificaram a face de Portugal e nos tornaram um país distinto da Albânia ou da Roménia - que seria o modelo de organização social e económico preconizado pelo centralismo democrático adoptado pelo PCP de Cunhal, que recebia as directivas de Moscovo e as pretendia impor no rectângulo.
- Soares foi, sem dúvida, o grande travão a essa deriva totalitária do PCP liderado por Cunhal, e talvez tenha sido esse o seu principal activo aliado ao processo de estabilização da democracia pluralista, que é, consabidamente, mais sensível do que uma flor. Também por isso o PCP, o da altura como o actual, tivesse odiado Soares toda a vida.
Como diria alguém: todos gostaram de Mário Soares, só que esse processo não foi ao mesmo tempo. E como Mário Soares viveu quase um século (um século!!) apanhou todos, ou quase todos, nesse processo de arrasto político e psico-afectivo. Pois mesmo aqueles que nunca votaram nele devem sentir nisso mais uma incapacidade e uma frustração do que uma virtude ou uma vantagem.
Pois lá no fundo, lá bem no fundo.., e pondo de lado os interesses familiares, pessoais e corporativos (se é que isso alguma vez será possível fazer), por parte dos opositores a MS - há uma certa frustração pela queda do império, pela consequente perda de estatuto e de qualidade de vida dessa categoria de pessoas e de quadros que asseguravam a gestão ultramarina - que a manutenção das colónias e do império permitia beneficiar e perpetuar.
Mas isso ia contra os ventos (de mudança) da História - cuja força soprava da Assembleia Geral da ONU e que implicava, no curto prazo, juntamente com a política externa norte-americana e soviética pró-independência africana - uma descolonização rápida, maciça e, em inúmeros casos, feita com armas, gritos e muito, muito sangue. Mas essa responsabilidade não pode - nem deve - assacar-se a MS - mas sim à ditadura e à sua incapacidade em planear a negociação das independências de modo pacífico e concertado com todos os agentes envolvidos no processo. Mas mesmo que isso tivesse acontecido, nenhumas garantias teríamos que não houvesse sangue decorrente das guerras civis que se seguiram na chamada África portuguesa.
Naturalmente, alguns ignorantes que desconhecem a história e as teorias sociais e políticas que a enquadram e padecem de saudosismo (para não lhes chamar uns "pequenos fascistas de trazer por casa que vegeta no chamado "engraçadismo" nas redes sociais"!!) jamais conseguirão compreender os ventos da história e as dinâmicas das relações internacionais, pelo que se torna mais fácil arranjar um bode expiatório em Soares (enquanto negociador da descolonização), mas cuja responsabilidade deveria ser assacada a Salazar e, na parte final do regime, a Marcello Caetano (que foi um grande académico), mas uma nulidade como político.
Com estas linhas espero não ter estragado a reflexão do articulista que é um dos mais brilhantes jornalistas políticos portugueses que republico abaixo.
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