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A queda do BES contada pelos seus autores - por Augusto Santos Silva -








Cruzando os depoimentos com a informação objetiva disponível, as causas principais da queda do BES podem ser agrupadas da seguinte forma. No que respeita ao ambiente externo, os efeitos dramáticos da crise financeira internacional, a prática excessiva de "alavancagem" e a exposição à dívida soberana.
Entre as variáveis internas, a manipulação do BES para cobrir as atividades não financeiras do grupo familiar (o GES); a contaminação com parcerias e áreas de negócio cuja legalidade a justiça avaliará, mas seguramente vulnerabilizaram a instituição face a jogadores e a jogos que ela não controlava (de que são emblemáticos os termos da relação com Angola); o recurso a meios e plataformas financeiras e a técnicas contabilísticas talvez ilícitas, que de todo o modo feriram a saúde e a credibilidade do BES; e a sua instrumentalização no quadro das disputas intrafamiliares e dos relacionamentos não formais entre acionistas do grupo e de grupos afins.
Finalmente, do lado das medidas de política e supervisão, as condições devastadoras da queda do BES resultam também do fracasso de uma dimensão crucial do programa da troika (a consolidação do sistema financeiro) e da lentidão e tibieza da intervenção do regulador. Cumulativamente, as declarações infundadas e imprudentes do presidente, do Governo e do Banco de Portugal, sobre a não contaminação do BES pelo GES e a suficiência da "almofada" de capital, desprotegeram ainda mais os pequenos acionistas e os clientes.
Sabemos que a resolução do BES foi uma decisão política, em que estiveram solidariamente envolvidos o Governo, as autoridades europeias e o Banco de Portugal. Não conhecemos ainda as suas circunstâncias e motivos, nem o papel atribuído à administração de Vítor Bento. E, sobretudo, não sabemos por que é que a CMVM foi posta à margem, e assim impedida de travar a degradação brutal do valor bolsista, com a agravante de, nesses dias de vazio, ter havido acionistas suficientemente lestos para se porem a salvo, enquanto os outros (a larga maioria e os mais pequenos) eram sacrificados.
Também não sabemos o fundamento da decisão de colocar o BESA do lado do banco "mau" e, assim, "libertar" instantaneamente o Estado angolano das responsabilidades associadas à garantia que havia emitido.
Sabemos que corremos muitos riscos com o Novo Banco. A sua capitalização teve de ser assegurada por empréstimo do Tesouro. As eventuais perdas resultantes da venda serão da responsabilidade última do Tesouro, enquanto os bancos não pagarem o empréstimo, e esse pagamento não é, nem podia ser, imediato e incondicionado. Mas ainda não foi dada explicação cabal para que se tenha preferido, à estratégia de Vítor Bento, a venda apressada.
Como veem os leitores, não é preciso substituirmo-nos à ação da supervisão nem da justiça para formular um primeiro juízo. Nem ele envolve uma condenação penal ou mesmo contraordenacional, que, num Estado de direito, só cabe às autoridades competentes. E, nestes como em todos os outros casos, todos são inocentes até prova em contrário.
Agora, com os dados disponíveis, a queda do BES pode ser descrita assim. Há circunstâncias que a favoreceram, e são as da crise. Há práticas que a induziram, e, para nossa vergonha, continuam a ensinar-se nas escolas de negócios. Há agentes que a provocaram, e são os grandes acionistas e os gestores. E há instituições que nos deviam ter protegido e não protegeram bastante, da troika ao Governo e do Governo ao supervisor. Todos estão a falar na Comissão de Inquérito e é uma tristeza ver como declinam responsabilidades, fingem desconhecimento e passam culpas uns aos outros.















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Obs: Uma eficiente súmula pela pena de um sociólogo sólido relativamente a um banco gasoso, que se evaporou... 

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