quinta-feira

Regressar a Habermas é olhar para o nosso umbigo e desenhar um novo projecto de sociedade




Regressar aos fundamentos de Jürgen Habermas é, de certo modo, recuperar os problemas das sociedades contemporâneas que carecem de uma ideia estruturante para a sua autocompreensão, o que permite, numa segunda análise, um conhecimento reflexivo de um povo, da sua personalidade colectiva que hoje mais parece estar abandonado à sua sorte e a de umas declarações efusivas acerca do alegado "masoquismo" que não cola à realidade dos factos vividos por milhões de portugueses no seu quotidiano. 

Vem isto a propósito da redefinição do ideal democrático a partir da ideia de esfera pública na qual está contida a dimensão colectiva em face dos interesses particulares e de algumas declarações públicas lamentáveis que pretendem, simultaneamente, exibir da responsabilidade a classe política dos últimos 30 anos (de que Cavaco silva é o expoente dessa continuidade ininterrupta), evitar um 2º resgate e dar um prémio (imerecido) ao Governo que está a gizar um novo OGE/2014 que prenuncia ser mais "austeritário", ou seja, composto de mais carga fiscal sacrificando as classes média e baixa. 

Se assim é confirma-se a ideia de que a política, a pequena política, não é mais do que a mera gestão de interesses e que pode, por efeito de revolta social, intensificar o desejo e a necessidade urgente de renovação política que, aliás, está em linha com as grandes reflexões que sinalizaram a filosofia política do séc. XX e que tiveram em Arendt, Habermas, Koselleck (e outros) elementos superiormente representativos. 


Em todos estes pensadores ressaltou um esforço comum assente na necessidade de reconstrução do conceito que sintetiza o ideal democrático, o ideal político assegurado pelo diálogo e pela argumentação (racional), condição hoje arredada da vida pública nacional. Pelo que a ideia de governação se resume, tão somente, à história do imposto e da tributação crescente ante a incapacidade de reformar o Estado sem o destruir. De modo que a história do Estado (do nosso Estado!!!) é, no dizer de Maurice Duverger que aqui recordo com gratidão, a história do imposto. A isto, na prática, se resume o exercício do poder do XIX Governo (in)Constitucional. 

Ainda se podia considerar que pelo facto de a esfera pública contemporânea ser distinta da esfera pública moderna, vigente nas assembleias suíças, glosadas por J.J.Rousseau, ou das townships estudadas por Alexis de Tocqueville - a intervenção dos media (os novos e os velhos e a sociedade civil no seu conjunto) - o centro de decisão político fosse mais sensível aos problemas da sociedade. Isto é, que a imprensa tradicional por um lado, e os new media por outro, coordenassem esforços capazes de criar uma opinião pública capaz de alterar o estado em que nos encontramos. Sem sangue, apenas mediante uma revolta pacífica e consentida por parte daqueles que já provaram ser incapazes de governar em nome do bem comum. 

Mesmo sabendo que a esfera pública antiga se formou em torno daquelas assembleias e cidades e, hoje, o chamado espaço público contemporâneo se constitui em torno das instituições democráticas (ditas) representativas, mesmo considerando que nas últimas eleições autárquicas a percentagem da abstenção tenha atingido quase os 50% do universo eleitoral, o que é manifestamente preocupante e revela quão anacrónico é o nosso sistema político. 


Dito isto, é justo reconhecer que foi o pensador alemão  da Escola de Frankurt quem mais contribuiu para se pensar nessa evolução qualitativa da esfera pública e, consequentemente, no quadro de possibilidades a fim de se realizar a integração social nas sociedades contemporâneas. 

Neste aspecto, devemos a Habermas uma das mais eficientes descrições da génese do sistema político democrático e, ao mesmo tempo, uma das mais pertinentes críticas quer às suas contradições quer às condições da sua própria degradação, as quais ajudam a explicar por que razão ainda hoje em Portugal altos representantes do Estado se dão ao luxo de cunhar os portugueses (que vivem na miséria..) de "masoquistas" quando, na realidade, os únicos responsáveis da situação política, financeira, económica e social a que lamentavelmente chegámos integra a soit-disant elite que colonizou o aparelho de Estado nos últimos 30 anos - e de que Cavaco silva é, talvez, o primeiro e último responsável. 

Quando compreendermos isto talvez possamos compreender que precisamos urgentemente de novas elites, novas ideias e novos projectos de sociedade. 

Sem reunir essas condições continuaremos a agravar as desigualdades sociais entre os portugueses e a assistir à degradação progressiva do sistema político português de que o povo se sente cada vez mais divorciado. 


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