domingo

Personalidade do homem de Estado: tipologias




Enunciado do problema:

Entre as múltiplas actividades de um homem político, responsável, a mais elevada, a que lhe justifica as funções, a que lhe realiza as ambições, é a decisão. A decisão implica uma opção. Num plano superior e de algum modo metafísico, surge o problema de saber se o homem é livre para optar, se tudo já não está determinado, se a convicção de ser livre, inerente a cada indivíduo, não representa uma ilusão, se a consciência não é um epifenómeno. É aqui que a reflexão ganha novo fôlego, assume uma dimensão transcendente, e a história é essencialmente domínio da imanência. Para o historiador, o problema da liberdade não é da competência da metafísica, mas equaciona-se ao nível dos fenómenos.


Todos nós temos percepções diferenciadas das várias personalidades que ocuparam cargos na nossa vida pública. Cada caso é um caso. Por vezes, trata-se de casos perdidos, reincidentes que julgam que a nação ficou congelada no frigorifico à espera que eles fossem de novo ao congelador tirar o gelo para servir o tal whisky on the rock´s, mesmo que seja uma ou duas décadas depois do gelo ter descongelado e a água se ter evaporado..
Afinal, o que é um homem político? Que responsabilidades tem? Sabemos que muitos deles desenvolvem características previsíveis, outros apresentam factores e comportamentos verdadeiramente imprevisíveis e erráticos. Por isso, a Política é uma arte. A arte do possível. Nada nela é fixo ou permanente, como o jogo da vida alternado com a morte. As forças que actuam sobre o Homem de Estado - são importantes, mas o temperamento, a personalidade, a maneira de ser e de actuar do Homem de Estado não o é menos.
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Tudo conta na definição da vontade e na formação das decisões políticas. Desde a antiguidade que se tentou "arrumar" o homem através de categorias, as tais tipologias que aqui nos ajudam a enquadrar e compreender como são e se comportam os homens de Estado. Trata-se duma preocupação que remonta aos clássicos: Aristóteles, Plutarco, Temístocles, Gladstone, Disraeli, Poincaré - foram alguns desses homens de Estado cujas vidas foram estudadas e tipificadas, e, hoje, o seu exemplo ajuda a arrumar algumas ideias e a organizar o conhecimento passado para o futuro.

Até porque a inteligência humana é incapaz de evitar tais classificações, resultante da tal descoberta dos grandes tipos de personalidades que informam hoje a nossa vida pública. Afinal, trata-se de saber com mais substância quem são os homens que nos vão governar, presidir aos nossos destinos colectivos. Por isso, esta é uma tarefa em que concorrem várias ciências: a História, a Filosofia, a Ciência Política, a Sociologia, a Psicologia, a Economia, o Direito e muitas outras ciências que, supletivamente, vão dando importantes contributos nessa definição de tipologias de personalidade.

Apesar da ambiguidade que reside em cada homem, e dos factores psíquicos que nos impelem a todos para criarmos muralhas inexpugnáveis que impedem o "outro" de saber quem realmente somos, há que fazer um esforço nessa redescoberta e nessa caracteriologia.

Marginalizamos aqui nesta reflexão as tipologias/classificações psicofisológicos - que remetem os parâmetros para os seguintes tipos: sanguíneos, biliosos, atrabiliários e fleumáticos, organizando a sua conduta e comportamento pessoal/público de acordo com o próprios funcionamento das glândulas endócrinas. Isto interessa muito mais aos médicos, enfermeiros e demais pessoal clínico, e só aos politólogos muito marginalmente.

Mas esta tipologia é breve, muito "medicinal" e, por consequência, oferece escasso potencial narrativo às questões do Poder que verdadeiramente interessam à Ciência Política, que é o que aqui releva.

As classificações psicológicas - obra de psiquiatras e de psicanalistas - que geralmente precisam mais de ajuda psicológica do que qualquer cidadão normal. Por ex., se se descobrir que certo político/candidato/presidencial é introvertido ou extrovertido, é clássico ou romântico - isso pode ajudar a fixar tendências, definir padrões de comportamento com reflexos políticos imediatos. Tivemos até um cientista social, Harold Lasswell - que tentou com vigor fazer essa ponte entre a ciência política e a psicanálise freudiana. Para assim chegar a uma tipologia dos homens de Estado. Lasswell, ainda recuperou o que nesse sentido foi alinhado por Aristóteles, Maquiavel e Max Weber - mas rápidamente concluiu que os esforços nesse sentido conduziram as resultados pífios

Na sua Obra Psychopathology and Politics elaborou a seguinte classificação: 1) os agitadores; 2) os administradores; 3) os teóricos. O 1º apresenta um elevado valor de reacção emocional e funciona em função do público. Quem está em desacordo com ele quer eliminá-lo, ou está feito com o "diabo". O 2º é o coordenador dos esforços, é um corredor de fundo; o 3º faz derivar as suas convicções de crenças formuladas de modo racional, mas que se podem desenvolver dum modo inteiramente irracional. Portanto, também aqui as combinações são múltiplas e variadas. Nada é fixo nem determinado. A política, como referimos, e antes de nós muitos outros com mais propriedade já o repetiram, é a arte do possível e do impossível (ou do inverosímel). Até já se pode transformar um homem em mulher, coisa que há uns anos não era possível.
Naturamente, todos estes conceitos são elementos organizadores, mas importa nunca perder de vista as verdadeiras propriedades constitutivas do ser humano, e muitos dos nossos políticos demonstram essas suas características, alguns, porventura, até em excesso. A saber: a emotividade, a actividade e a repercussão que essas características e factores de personalidade, combinados com as forças que actuam a partir do exterior, e condicionam comportamentos que têm depois consequências na esfera pública, ou seja, na vida de todos nós.

Há também os não-emotivos. Vejamos alguns exemplos - que têm aqui um valor meramente indicativo.

Emotivos - Activos - Apaixonados - Napoleão, Richilieu; Adolfo Hitler
Emotivos - Activos - Coléricos - Danton, Jaurés
Emotivos Não-Activos - Robespierre
Não-Emotivos - Fleumáticos - George Washington
Não-Emotivos ou sanguíneos - Luís XVII, Talleyrrand - que dizia que os Estados não têm amigos nem inimigos, têm interesses... E os amigos de hoje podem ser os inimigos de amanhã
Não-Emotivos ou amorfos- Luís XVI - ou o nosso Duque de Bragança - candidato ao trono de Portugal.
Uns são mais activos, outros são menos empreendedores, e isto justifica-se não só nas condições exteriores do exercício do poder, mas no caldo cultural que remete para a hereditariedade do poder. Este factor do capital genético também não pode ser desprezado.

Mas essas análises pulsionais - pouco ou nada interessam à objectividade dos materiais políticos que temos sobre a mesa: tipologias do homem de Estado. Por isso é que a psicologia moderna utiliza uma constelação de relações entre o sujeito e a situação para compreender o conjunto sistémico em que se está envolvido. E isso supõe compreender o ambiente onde as acções se desenrolam.


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Mas a tipologia mais relevante ainda está por definir. Pois interessa aqui à - Análise e Reflexão Política - que é a lente macroscópica que priviliagiamos - compreender a forma como certa personalidade interage com as atitudes históricas. E isso implica saber que atitudes são explicadas pela personalidade, e sob que ponto de vista histórico esses traços marcantes retroagem na personalidade dos homens de Estado.

Julgamos que o melhor método para distinguir essas atitudes essenciais reside na busca de fontes. Quer sejam documentos diplomáticos, estatísticos, memórias (Freitas), discursos, gafes, praxis política - através da avaliação de mandatos, etc. Podemos assim enumerar - de forma algo empírica - um conjunto de classificações/tipologias respeitante aos estadistas que não deixam de colocar desafios e dilemas interessantes para os políticos e a Política do nosso tempo.
As palavras que se seguem têm como objectivo esclarecer essas outras classificações/tipologias do homem de Estado que o classificam entre o homem doutrinário e o oportunista; o lutador e o conciliador; o idealista e o cínico; o homem de Estado rígido e o imaginativo; o afoito e o prudente, conforme sistematizam os historiadores P. Renouvin e J.B. Duroselle.
Quando adoptamos um novo campo de visão (mais liberal) estas dicotomias parecem ter fundamento. Assim, e seguindo o famoso politólogo - Harold Lasswell, os doutrinários/teóricos - são os que estabelecem para seu uso um sistema de pensamento coerente e buscam, com a máxima frequência possível, harmonizar as suas decisões com esse sistema de valores. Em Portugal ocorre-me encaixar nesta tipologia o político e académico Diogo Freitas do Amaral. Por vezes, talvez seja doutrinário demais...

Os oportunistas/empiristas - , ao invés, já não se prendem a nenhum sistema concreto de valores. São homens que regulam a sua conduta por força das circunstâncias. Naturalmente, não haverá um tipo de doutrinário puro (como Freitas), dado que as circunstâncias impõem, por vezes, decisões aberrantes, relativamente à doutrina, abrindo assim espaço a que todo o oportunista encontre aí - , na ausência de qualquer ideia geral sobre o que quer que seja, um esteio para permanecer fiel e gozar dos privilégios, do status e outras regalias que os cargos públicos - que desempenham no aparelho de Estado ou nos aparelhos politico-partidários - proporcionam. Quer dizer, os políticos oportunistas encaram os postos que ocupam como estalagens ideais para permanecerem o mais tempo possível.

Hitler, por exemplo, era um exemplo de doutrinário. Expôs a sua doutrina no Mein Kampf e dispendeu um esforço para a concretizar. Fez planos e rebentou trágicamente com 6 milhões de judeus. 

Enfim, a história é grande e tem de albergar estes casos aberrantes, porque irracionais, doentes, cheios de paixões e pulsões histéricas que competem por encontrar a fórmula mais inumana que pode existir para esse tipo de crápulas se realizar na esfera pública.

Outro exemplo de político doutrinário - foi Lenine, embora mais flexível e com uma excepcional capacidade de adaptação. Lenine, como disse um dia Sir Bertrand Russel - para muitos considerado o maior filósofo do séc. XX - uma teoria feita homem. Agarrou-se à concepção materialista da história. Stalin seguiu essa linha, e muita gente no Ocidente ainda acreditou que Stalin preferia verdadeiramente boas relações com os EUA (depois da II GM) à expansão revolucionária do comunismo mundial. Mário Soares, por exemplo, foi estalinista (tal como Cunhal) o foi na década de 30 do séc. XX. Esta é, certamente, já uma enorme vantagem dos homens antigos, que já atravessaram todo um século XX e, agora, estão a tentar reinventar-se no séc. seguinte.


Nesse sentido, estes espíritos doutrinários/teóricos - podem opôr-se aos oportunistas, de que Bismarck foi um exemplo. Estes actores políticos defendiam-se dessas acusações dizendo: em política, o homem que não muda representa um absurdo. Não se trata de dizer o que um Político disse há dez, cinco, dois, um ano; trata-se de saber o que é útil e necessário ao Estado.

Outra tipologia é a que decorre do lutador vs conciliador. Nesta polaridade encontramos muito da política que, por vezes, não conseguimos explicar. Quer dizer, há temperamentos políticos "marcianos" e comportamentos "venuzinos". Por ex., Luís XIV sempre preferiu conquistar Estados a adquiri-los. Isto significa que para muitos homens de Estado agrada menos a harmonia e a concórdia do que o combate, a luta, o sangue. Métodos que podem repugnar a muitos outros. 

Sobrevem uma outra tipologia - o Idealista e o cínico - também aqui se deve adoptar um campo de visão alargado. Políticos como W. Wilson (ex-presidente dos EUA aquando da I Grande Guerra/ 1914-18) e Bismarck (mais recuado) - são exemplos muito diferentes um do outro. Neste caso, o idealismo afasta-se do realismo prático (e possível). Já que o idealista - é o que justifica a sua atitude em nome de valores universais e que o faz sinceramente, na medida do possível; o cínico - é aquele que invoca o sagrado egoísmo, a raizon d' Etat.


O 1º quer assimilar os verdadeiros interesses do seu País aos da humanidade inteira, como fez Woodrow Wilson - tentando "vender" ao mundo a sua visão da Democracia e os direitos humanos; o 2º - pouco se importa pelos interesses da humanidade e procura afirmar os interesses vitais do seu Estado. Mesmo que isso implique ir contra os valores da humanidade que podem estar em gestação.


Portanto, podemos encontrar aqui uma latitude imensa: desde o idealista absoluto, o mais universalista até ao cínico mais taticista e manipulador que se possa imaginar.


Uma outra tipologia remete esta já longa narrativa para a distinção entre o rígido e o imaginativo - sendo que aquele observa escrupulosamente certos métodos, e não consegue desviar-se nem um milímetro que seja para realizar o seu plano. É alguém que ficará, certamente, embaraçado pelo imprevisto, incapaz de imaginar ou conceber novas soluções que a política e a alta administração sempre impõem aos políticos e aos grandes decisores. É alguém incapaz de criar o que quer que seja. Ao invés, o homem imaginativo - é o que consegue inventar soluções à medida e nenhuma circunstância o desconcerta ou surpreende. É, pois, deste tipo de políticos - dada a conjuntura de globalização competitiva que hoje vivemos - que Portugal actualmente precisa. Alguém com os skills necessários para lidar e gerir a incerteza, que é a regra do nosso tempo.

Em suma: todas estas tipologias têm um valor relativo, que é adaptado às épocas e às conjunturas dos Estados no sistema internacional. Muitas mais haverá, certamente, mas estas deixam um valor indicativo de como se pode conhecer, tanto quanto possível, as personalidades dos homens de Estado do mundo contemporâneo. 

Em Portugal, a aplicabilidade destas classificações fica extremamente facilitada na medida em que os actores políticos são quase sempre os mesmos. Os velhos da política lusa. Os novos, como já sugerimos, ou não nascem, ou as máquinas partidárias matam-nos à nascença. Eles alimentam e retroalimentam o sistema que servem. 

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