sexta-feira

As contradições de Fernando Pessoa

 
Já quase tudo foi pensado, dito e redito acerca deste anjo das letras e da cultura nacionais. Ainda assim, é sempre possível contornar esses registos mais comuns e ensaiar pequenas notas que podem ajudar a revelar outros ângulos da sua imensa obra, revelando contradições e pontos menos fortes das suas formulações, hoje com um século mais um quarto de vida, o que é muito tempo.
 
Pessoa defende a ideia que o pensamento não nos aproxima das coisas; afasta-nos delas. Ora, como é isto possível?!
 
Por outro lado, Pessoa alega que o que é preciso é aprender a não pensar, a desfazermo-nos da claridade imaginária em que o pensamento (o tal que nos afasta das coisas...) envolve as próprias coisas.
 
Pessoa fomentava estas contradições que, vistas mais à lupa, não tinham sustentabilidade e acabavam por entrar numa espiral de violência e autodestruir-se. Curiosamente, o paradoxal deste esquema (provocativo) de pensar a realidade foi representado em Alberto Caeiro. Pois é através dele que Pessoa se posiciona aquém e além do território do seu próprio ser, do nosso ser, enquanto ser consciente. O qual, pela fragilidade deste jogo de contradições a fim de estimular mais e mais reflexões de que Pessoa se alimentava, acaba por ser vítima do erro e da ilusão associados a todo o conhecimento decorrente das meras sensações.
 
Dizer, como faz o poeta, que: "O meu olhar é nítido como um girassol" - é ilustrar essa contradição poética de que Pessoa precisava para viver.
 
Daqui não decorre que Pessoa não fosse sério e sólido, mas a natureza dialéctica da sua poesia desempenha na sua criação mítica, uma tremenda carga irónica e de provocação não raras vezes divertida dessa apologia do não-pensamento.
 
Curiosamente, vindo d´alguém que era todo intelecto.


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