A distância das palavras aos actos, dos discursos à realidade no dia 10 de Junho
O 10 de Junho é sempre marcado por uma oficialidade da esperança que o discurso do poder impõe a si próprio, até para reforçar a manutenção do seu status quo. Qualquer poder, à esquerda ou à direita, observa esta regra básica do exercício da função política.
Cavaco não escapa a esta regra. Previsível como é, o locatário de Belém foi igual a si próprio: em Roma sê romano, em Elvas foi alentejano. Citou os escritores regionais, medalhou pessoas do Alentejo, falou nos terrenos aráveis, enalteceu a robustez da agricultura aliada à pujança das exportações, sublinhou as vantagens duma ruralidade emergente. Pretendeu, em rigor, vincar a transformação do mundo rural pelo conjunto daquelas razões. No fundo, todo o discurso de Cavaco se orientou para tentar demonstrar, ou desmontar, uma ideia feita entre os portugueses: a ideia de que foi ele, enquanto PM, que vitimou a agricultura e a frota pesqueira nacionais, na sequência da adesão de Portugal à então CEE, em 1986.
Pelo meio, referenciou um tema que integra o mainstream, o património imaterial, de que as fortificações da bela cidade de Elvas foram reconhecidas pela chancela da UNESCO, como património comum da humanidade.
Propostas de solução para gerar investimento nacional não se falaram; força e ideias para atrair investimento directo estrangeiro, não se falaram; ideias para diminuir o défice, não se falaram; apregoa-se a necessidade do crescimento, mas a forma de o atingir não se conhece.
Se falarmos com os agricultores, industriais, os empresários em geral, será que eles se revêem naquele discurso?! Receio bem que não...
Em política, o que é anunciado está referenciado ao futuro, e a observação às normas que acompanham o que é anunciado é justificado pela realização dessa narrativa de esperança que se projecta no futuro. Mas é bom não esquecer que aquilo que é anunciado tem sempre uma estrutura de uma narrativa, de uma história do futuro, ficando sempre por saber quando, como e quantos recursos e vontades se conseguem mobilizar para atingir as promessas daquela narrativa.
Numa palavra: Cavaco sabe que tem de fazer o seu papel, e este depende, cada vez mais, da qualidade do anúncio do profeta, que é aquele que revela a mensagem que prevê essa possibilidade. E é isto que o locatário de Belém tem feito, estabelecer quadros de possibilidade e visões de futuro da sociedade.
Será muito? Será pouco?!
Creio, contudo, que os portugueses, os milhões de portugueses que hoje vivem a agonia da depressão económica, financeira e social, esperavam mais e melhor daquele que é, ou deveria ser, a válvula de escape do sistema político nacional.
Ainda que só 2 ou 3% da população acredite na sua narrativa de futuro, em particular na sua profecia quanto à modernização da agricultura nacional e à sua não dependência das importações.
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