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Protesto turco. Novos desafios à governação e teoria das redes e dos movimentos sociais

 
 
1º de junho - Polícia usa gás lacrimogênio para dispersar a multidão durante protesto anti-governo em Istambul. A polícia turca disparou gás lacrimogênio e canhões de água para evitar que centenas de manifestantes chegem ao centro da praça Taksim, em Istambul, em segundo dia de violentos protestos


A globalização, enquanto decisor oculto e factor de competitividade e de conflito entre as nações, os povos, as sociedades e as religiões, colocou desafios inéditos à governação, mormente quando se trata de países, culturas e sociedades de carácter multicultural, em fase de transição para uma maior laicidade e de liberalização de costumes e de comportamentos e até de democratização da vida política. Actualmente, a Túrquia vive toda essa ansiedade, incerteza, risco e confusão sociopolítica.

É sob esse condicionamento que a política turca voltou a usar gás lacrimogéneo para dispersas os manifestantes que se manifestavam em Istambul em protesto contra o Governo do PM, Erdogan, que sublinhou às autoridades que vão permanecer no local.

De notar que estas manifestações começaram com o protesto contra um projecto urbanístico no centro de Istambul, a que se seguiu uma violenta e desproporcionada acção da polícia contra os manifestantes, facto que levou o próprio Chefe de Estado, Abdullah Gul, a apelar ao bom senso e a sublinhar que tais acções da polícia para por termo aos manifestantes atingiu um nível preocupante.

Perante essa radicalização da acção das forças policiais, já reconhecida quer por Erdogan, quer pelo Chefe de Estado e até pelo ministro do Interior, leva-nos a concluir que o advento do reconhecimento e necessidade de libertação da sociedade civil, sobretudo nos regimes mais conservadores que pretendem regular e interferir no modo como as pessoas devem actuar na sua vida íntima, seja na Ásia, no Norte de África (através da Primavera Árabe) ou noutras latitudes do mundo em que, por razões sociais, políticas e económicas se articulam vontades humanas, capacidades tecnológicas, capitais e organização, os resultados são ambivalentes, e podem ser positivos e negativos.
 
De modo que esses protestos na Túrquia não são mais do que a expressão duma vontade liberalizadora à escala global que hoje está  a querer ditar as normas sob as quais se passarão a reger as sociedades, sem imposições nem hierarquias dos governos, muitos deles sem qualquer legitimidade popular, ou em franca perda.
 
Neste quadro de actuação, o advento das redes sociais potenciadas pela sociedade civil constitui um factor de mudança radical para a governação. Os erros das autoridades são imediatamente tornados públicos e os governos responsáveis por eles são imediatamente censurados pela chamada opinião pública internacional.  Seja nos EUA ou na China, ainda que aqui o exemplo de partida assente no caso turco, a evolução da democracia também envolve descobrir a forma de equilibrar o poder de participação das redes sociais e a legítima autoridade governativa a fim de assegurar o bem comum a longo prazo.
 
Ora, é esta subvigilância (ou vigilância das autoridades exercida de baixo para cima), como lhe chamou David Brin, no seu livro The Transparent Society, via blogs e outros meios potenciados pelas redes sociais, que fenómenos e temas como as catástrofes naturais, acidentes ferroviários, poluição atmosférica, corrupção acabam por ter uma projecção no espaço público global e que, nessa medida, são mais discutidos e os seus responsáveis ficam numa posição de maior vulnerabilidade se apenas tais problemas e temas fossem tratados pela mediacracia tradicional. 
 
A esta luz, será lícito afirmar que a webocracia vigilante, como na Primavera Árabe, que até fez cair regimes ditatorias e corruptos, se converteu num componente orgânico do tecido governativo das nações, porquanto processa as críticas e dirige-as ao poder político e, ao mesmo tempo, dá aos governos a oportunidade de corrigir erros presentes nas políticas públicas que minam a sua credibilidade junto das populações. Portanto, é uma estrada de dois sentidos no processo de comunicação sociedade-Estado. Outros autores, como J. Keane, falam de democracia vigilante.
 
Todavia, é útil sobrepor aqui ao caso do protesto turco a emergência dos Wutburgers, ou cidadãos enraivecidos que operam em rede, que se tornaram uma característica estabelecida da vida pública alemã. Não sendo de esquerda nem de direita, antes se reclamam apartidários, estes grupos ligados entre si através de redes sociais têm por  objectivo a defesa dos respectivos interesses locais, seja contra a construção de centrais nucleares, linhas ferroviárias, aeroportos ou outras infra-estruturas de telecomunicações que interfiram de forma grosseira com o pensar, sentir e modo de viver e agir das comunidades locais.
 
Foi nessa base que também nasceu em finais de Maio de 2011, um movimento de indignados em Espanha, ocupando a Puerta del Sol, em Madrid, replicando o quadro social visível na Praça Tahrir, no Cairo, pouco antes. Dinamizados pelas redes sociais, não pertencendo à esquerda nem à direita, esse movimento, formado essencialmente de jovens, manifestou-se contra a falta de capacidade de resposta das elites dos partidos do poder diante as suas necessidades e aflições sociais, em que pontifica o desemprego em massa.
 
Perante este quadro sociopolítico, alguns governos estão a compreender a mensagem e preparam-se para o desafio, outros procuram resistir às dinâmicas da história (como faz o Governo turco de Erdogan). Trata-se dos governos que mandam as forças policiais actuar indiscriminadamente sobre os manifestantes, o que, em inúmeros casos, configura situações verdadeiramente desproporcionais na administração da força e que é, ou pode ser, geradora de revoluções e de banhos de sangue que nem sempre têm o desfecho esperado.
 
Portugal ainda não conseguiu enviar três milhões de indignados paras as ruas, mas isto também não significa que a revolução entre nós não possa eclodir...
 
Os tempos são difícieis e de grande incerteza.
 
 
 

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