quarta-feira

Evocação de Georges Burdeau - um mestre da Ciência Política

São conhecidas as condições em que o Estado actualmente opera: elevada carga tributária, confisco, desrespeito pelo cidadão nas mais variadas instâncias na relação do cidadão com as administrações. Aquela ideia inicial de que um Estado pluralista fomentaria um espírito de independência cedeu o lugar ao espírito de clientela; uma clientela neocorporativa que acaba por mandar no Estado por via das avenças e dos contratos com o Estado, das PPPs, do conúbio banco-burocrático, da circulação (fechada) de elites (ou soit-disant elites) que circulam entre o Estado, a alta administração (de confiança política, consolidada pelo centrão dos interesses) e o poder financeiro e económico com alguma cobertura empresarial.
 
De modo, que o Estado a que chegámos, para retomar uma expressão caricata de Salgueiro Maia, que de teoria política nada sabia, é hoje dominado por uma clientela vigorosa e segura que exige condições e requisitos ao Estado que este, por regra, nega ao cidadão comum. Fica assim demonstrado que a visão do Poder aberto num Estado genuinamente pluralista é uma promessa por cumprir. Pequenos exemplos que ilustram esta teorização/preocupação: Ferreira do Amaral na Lusoponte, Amado, que sabe tanto do sector financeiro como o locatário de Belém conhece Os Lusíadas de Luís Vaz, e poderíamos aqui multiplicar estes exemplos negativos que apoucam o Estado de direito, a democracia e a ética no Estado republicano. Mas nada acontece por acaso. Tudo se forma e faz quando, no exercício do poder, se trata de vida, para o preenchimento de lugares na fase pós-Poder.
 
Foi o que fizeram aqueles dois péssimos exemplos supra-citados. Decorre daí que os actuais governantes se encontram na situação de mandatários da mega-clientela (financeira, empresarial nacional e internacional) cuja diversidade os impede de a satisfazer. Sendo certo, à luz dos cidadãos, que o proclamado pluralismo não só fragiliza os governantes por aquilo que os proíbe de fazer, como ainda, como defende G.Burdeau aqui evocado, os desacredita pelo que eles fazem. A alternativa colocada é verdadeiramente dramática: ou desfrutam à partida de uma larga base na adesão das diversas tendências, entre as quais se repartem os governados; ou, impelidos à decisão, eles pretendem agir, e nesse caso a oposição das concepções que são rejeitadas paralisa-os. E é aqui que o Estado pluralista se depara com um paradoxo, pois se, por um lado, oferece a todos as exigências sociais a possibilidade de serem ouvidas, por outro lado, essas tais exigências sociais encontram fracas probabilidades de serem escutadas e verdadeiramente atendidas. Pelo que nenhuma autoridade é capaz de estabelecer uma hierarquia entre essas exigências que, por regra, ultrapassam muito as capacidades do orçamento de Estado disponível.
 
E é nesse momento que as reivindicações se entrechocam, realidade que em breve ameaça explodir socialmente em Portugal, por força do desemprego galopante e de todos os indicadores micro e macroeconómicos que atingem hoje mortalmente a economia e a sociedade portuguesas.
 
Vivemos, assim, num Portugal em que as revindicações se neutralizam umas às outras, com a agravante de Portugal ser hoje um país fiscalmente criminoso, inimigo do investimento e do empresário honesto, com uma taxa de natalidade que envergonha os homens portugueses, além do convite escabroso, original em Portugal, de o poder político em funções convidar os seus filhos a emigrarem. E fá-lo recorrentemente, como se isso fosse a resposta aos problemas da economia nacional.
 
Em face deste quadro negro, não surpreende que os portugueses não se reconheçam nas fórmulas de governação, nos agentes políticos no activo, nas pseudo-elites e na generalidade das intenções, propostas e programas socioeleitorais que, por regra, estão cobertos de mediocridade dos actos que depois, no exercício do poder, revelam todo o seu esplendor. Para desgraça de todos os portugueses, um dos povos mais sofredores do mundo. 
 

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