sábado

Democracia, governação e redes sociais


Nunca como hoje em toda a Europa, com predominância no sul do velho continente, o anel de democracia, governação e redes sociais foi tão intimo e explosivo. Na base desta interdependência complexa está, naturalmente, o agravamento das condições de vida das populações em Portugal, Espanha, Grécia, Itália e na generalidade dos países da Europa - que também já não encontram no projecto europeu, nos seus líderes, políticas e instituições o cimento solidarista, cooperativo e desenvolvimentista doutros tempos. Hoje, consabidamente, a Europa da decisão resume-se, tristemente à Alemanha da srª Merkel - essa personagem dantesca e cifrónica que olha para a Europa como um imenso mercado exportador para a Alemanha vender os seus produtos e serviços e exportar as suas tecnologias. Alemanha que goza hoje duma situação de quase pleno emprego, é uma ilha na Europa, ombreando com os países encandinavos.  
Sucede, porém, que o mundo não se confina às finanças e à economia, há sonhos e projectos pessoais por cumprir. Há pessoas e famílias que têm que comer diariamente, e a democratização da vida em sociedade, a igualização da comunicação dos utilizadores nas redes sociais dá a ideia clara a esses milhões de ciber-utilizadores das redes sociais que o seu conceito de cidadania se alargou, potenciou o seu poder pela lei do  número e da capacidade quase imediata que as pessoas têm em se mobilizar e organizar para reclamar os seus legítimos direitos; criticarem as políticas públicas seguidas; a draconiana carga fiscal. Enfim, para eliminar as condições de toda uma governação económica que se financia maioritariamente à custa da classe média e média baixa e não, como devia, no lado da despesa do Estado e nas suas famosas gorduras, de que as PPPs são o mais vergonhoso exemplo, além do buraco criminoso que é o BPN.
Portanto, as pessoas que vão para as ruas manifestarem-se, de diferentes formações e origens sociais e de distintas gerações, são as pessoas que já se consciencializaram do poder que têm e de que têm que o usar pacificamente para obrigar o Governo a recuar em certas políticas. A TSU foi disso exemplo, ou seja, a inteligência da acção colectiva pôs-se em campo e condicionou o poder e o seu exercício, obrigando até Belém a agendar um Conselho de Estado extra-ordinário para avaliar o estado do país. Nesta linha há aqui uma correlação inequívoca entre a democracia (participativa), a (má) governação e as enormes potencialidades logísticas e consciencializadoras das redes sociais, em que pontifica o Facebook. O mesmo que serviu de plataforma para mobilizar o 15 de Setembro e serve, doravante, para organizar o 29 de Setembro, de resto em comunhão com o que se passa em Espanha e Grécia, dado os problemas terem uma origem e consequências sociais comuns. 

O lema - "Que se lixe a Troika! Queremos as nossas vidas" - que serviu de guia de marcha para o protesto, encontra uma estreita relação com a realidade socioeconómica dos portugueses, uma relação expressa em números de adesão nas manifestações pacíficas que têm ocorrido nas ruas das cidades de Portugal, de norte a sul, do litoral para o interior. E com um comportamento exemplar por parte das forças de segurança,  talvez porque se identifiquem estruturalmente com a causa e as razões que dinamizam as manifestações. 

Naturalmente, os convites on line, via FBook são sempre muito superiores ao número efectivo de pessoas que depois se manifestam nas ruas. Ou seja, o "like" não encontra correspondência com a adesão efectiva nas manifestações. Recordo o caso da manif convocada para o Palácio da Ajuda contra o Acordo Ortográfico e em que cerca de 20 mil pessoas aderiram on line, mas nem meia dúzia compareceu no local agendado. Daí a reserva que importa ter entre o número de adesões virtuais e o número de pessoas que, efectivamente, vão às manifestações. 

Por outro lado, as revoluções são prévias às redes sociais, estas apenas as potenciam logisticamente. A Primavera Árabe foi, talvez, a onda de manifs mais expressiva dessa teoria neste novo milénio, que agora conta com uma fraternidade virtual sem precedentes. Dos cerca de 4,5 milhões de utilizadores inscritos no FB - só metade são utilizadores activos em Portugal, desenvolvendo esse novo espaço público (habermasiano) num espaço de maior intimidade pública para reflectir e agir sobre os problemas comuns na polis

Independentemente de as manifs serem enquadradas pelos sindicatos ou pelos partidos, a quem já ninguém liga, elas são hoje esmagadoramente participadas, porquanto a causa que as mobiliza é nobre, é legítima e fundada na razão e, ao mesmo tempo, serve como denúncia de más políticas públicas, erros de gestão, gestão danosa, corrupção e esbulho institucional por via fiscal, etc. 

Nesta perspectiva, a extensão do espaço virtual traz-nos, ao mesmo tempo, por um lado, mais liberdade - individual e colectiva - e, por outro, mais comunicação e interdependência, e é esta circunstância radicalmente nova que fragiliza o poder e os poderes públicos na sua globalidade, na medida em que os interroga permanentemente, questionado a legitimidade funcional das suas opções de política geral e medidas concretas e do sentido que ambas têm para resolver os problemas das populações. 

O 11 e o 29 de Setembro são, pois, marcos da expansão da democracia digital, da projecção da liberdade de expressão e de comunicação à escala europeia e mundial absolutamente sem comparação a tudo quanto autorizavam os media tradicionais onde pontifica a televisão. Esta potência civil que reorganiza a inteligência da acção colectiva, como a designa a melhor teoria dos movimentos sociais, favorece agora a emergência de comunidades em diversas áreas, de cuja acção resultam acções de cooperação ao serviço de ideias e de projectos mais competitivos e de optimização de recursos públicos e privados que dinamizam a economia e geram riqueza e bem-estar. 

Por outro lado, a noção de democracia, de direitos e de liberdades, que envolvem directamente a dignidade do cidadão, e a deliberação em tempo real que as redes sociais propiciam, facilitam também a produção de melhores leis e, portanto, de melhor justiça e equidade social.

Numa palavra, a democracia emergente, o ciberespaço compreendem uma nova ideia de liberdade de expressão e de relacionamento pessoal e institucional, por força de vivermos numa sociedade informacional, como designou M. Castells, pondo os cidadãos em contacto uns com os outros em maior número do que todos os media anteriores. 

Dito isto, permito-me concluir que entrámos numa época em que a democracia e as redes sociais vão gerar-se mutuamente num anel autocriador de que, primeiro, a comunidade militar foi pioneira, depois a comunidade científica internacional foi seguidora beneficiando o conjunto das sociedades civis por via do entusiasmo cooperativo do nosso tempo. 

Sempre que há uma grande manifestação em Portugal, especialmente quando a causa é nobre e legítima e alicerçada na razão, está tudo em aberto em relação à sociedade, à economia e à política. É por estas causas e efeitos que podemos afirmar que os destinos da democracia, da governação e das redes sociais estão cada vez mais ligados, pois ambos implicam aquilo que a humanidade tem de essencial: a aspiração à liberdade e à potência criativa da inteligência da acção colectiva em Portugal.



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