quarta-feira

As lideranças na miséria - por Helena Garrido -

As grandes empresas vivem dos favores do Estado. Incluindo os bancos. As pequenas e médias empresas vivem sufocadas na incapacidade própria e no exíguo espaço que lhes é dado pelas elites.
As grandes empresas vivem dos favores do Estado. Incluindo os bancos. As pequenas e médias empresas vivem sufocadas na incapacidade própria e no exíguo espaço que lhes é dado pelas elites.
Os bancos. Hoje dizem que tiveram de financiar as Parcerias Público-Privadas (PPP), titularizar a dívida da energia e, mais recentemente, de comprar títulos de dívida pública. Durante mais de uma década e meia fizeram o que nenhum gestor recomenda. Concentraram boa parte do seu crédito no sector da construção e imobiliário e nos projectos de Obras Públicas, das autarquias à Administração Central. Era barato e dava milhões. Nada a criticar, se pagassem, também, a factura quando passa a ser caro e dá prejuízos, também de milhões. É disto que é feita a economia de mercado, que força a visão de médio e longo prazo e desincentiva os ganhos arriscados de curto prazo.
Hoje, caídos quase na desgraça e porque a desgraça deles seria a nossa morte, os soberanos vendem aos bancos dinheiro a 1% para que o possam vender no mínimo a 6%, mas que pode chegar a mais de 20%.
Tudo aconteceu aqui, na Irlanda, mas também na Alemanha. Incompreensivelmente, a Europa, social, humanista e de raiz cristã, aponta o dedo aos devedores, elegendo-os como os réus do delírio da dívida e da gestão irresponsável. Nos Estados Unidos não foi assim.
Hoje estamos armadilhados pelo passado financeiro. Não se pode reduzir as rendibilidades das PPP por causa dos bancos – e das grandes empresas nacionais e internacionais –, não se pode reduzir os ganhos, também excessivos, na energia. Enfim, não se pode basicamente acabar com os excessos do passado que remontam, é preciso sublinhar, aos anos 80 do século XX.
As grandes empresas vivem (e viveram) no mesmo mundo de facilidades. Basta olhar para as componentes do principal índice bolsista, o PSI-20. A maioria actua em sectores regulados. Ou em sectores que sucessivos governos elegeram como prioritários. Ou são empresas com a dimensão e o peso na sociedade portuguesa que lhes permite influenciar as leis que impedem os outros, que não fazem parte do grupo, de crescer, de faze
r negócios. Ou seja, ganham aquilo que o Estado as deixar ganhar.
O que, em tempos de estados capturados pelos interesses, é muito mais do que ganhariam em concorrência. São os tais ganhos excessivos.
O resto da economia são as pequenas e médias empresas sem espaço para se expandirem. Por incapacidade, que se vai perpetuando em benefício de alguns, e pela falta de espaço que lhes é retirado pelas elites económicas e políticas que ditam as regras do jogo da economia.
Desde que o país se começou a liberalizar, na segunda metade dos anos 80 do século XX, a teoria prevalecente foi, em parte, semelhante à do Estado Novo. É preciso dar margens elevadas às elites para que acumulem o capital e o saber que fará Portugal prosperar por contágio a todo o resto da economia. Assim se disse. Passou quase um quarto de século e o que boa parte das elites acumularam foram dívidas, que as conduziram – e nos conduziram – ao precipício da falência. Onde não vão cair porque obviamente são a nossa elite, porque são demasiado grandes e demasiado agarrados uns aos outros para falirem, porque a sua queda seria a nossa m
iséria.
Não foi sempre assim e sempre assim será? Talvez. Então, por favor, que se tenha o pudor de não invocar o mercado e o liberalismo ou, ainda, o génio da gestão. Se há culpas, se há responsabilidades, são das elites económicas e políticas. Que não querem apenas tudo. Praticam a política da terra queimada para todos os que não sejam eles. E nem sequer são capazes de criar valor para eles. Há países onde não é assim. Aqui, também podia não ser. Sinais de esperança? Poucos.
Obs: Mais uma reflexão corajosa de Helena Garrido, que põe o dedo na ferida: não há, verdadeiramente, concorrência em Portugal. O que existem são monopólios, noutros casos, oligopólios disfarçados de mercado aberto e competitivo. Mas, na prática, o Estado é conivente com este falseamento do funcionamento do mercado em Portugal, mormente na área das energias.
Uma conivência tecida pela via legislativa e pela via política. Nuns casos, a produção legislativa nunca afronta os grandes sectores empresariais, noutros é o próprio despudor do Estado a nomear os seus amigos para integrar os conselhos de administração dessas empresas, bem conhecidas em Portugal.
Algumas até se notabilizam por esmifrar o consumidor obrigando-o a pagar a energia mais cara da Europa, o que, para as empresas, também constitui um handicap no âmbito da sua competitividade, que se traduz em perda de quotas de mercado pelo encarecimento dos seus factores de produção.
De certo modo, esta temática foi tratada com grande especialidade há meio século, por um historiador económico chamado Karl Polanyi.

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